terça-feira, 30 de agosto de 2011

Prof. Comparato o incansável : BRASIL: FRAUDE EXPLICA !


BRASIL: FRAUDE EXPLICA !


Fábio Konder Comparato


Essa famosa tirada do saudoso Carlito Maia veio-me à mente, agora que tanto se discute a corrupção na esfera pública, como se se tratasse de grande novidade.


Ninguém medianamente conhecedor de nossa História ignora que a corrupção dos agentes públicos é um mal endêmico no Brasil e existe desde o início da colonização, abrangendo indistintamente todos os órgãos do Estado. De se notar, aliás, que até a separação entre a Igreja e o Estado, com o advento do regime republicano, os membros do clero não se distinguiam muito dos funcionários leigos, sob esse aspecto.


Para ficarmos tão-só no campo da corrupção da Justiça, é preciso lembrar o testemunho dos viajantes estrangeiros durante todo o século XIX.


No relato de sua viagem ao Rio de Janeiro e a Minas Gerais, no início do século, Auguste Saint-Hilaire observou: “Em um país no qual uma longa escravidão fez, por assim dizer, da corrupção uma espécie de hábito, os magistrados, libertos de qualquer espécie de vigilância, podem impunemente ceder às tentações”.


No mesmo sentido, John Luccock, que aqui viveu de 1808 a 1818: “Na realidade, parece ser de regra que no Brasil toda a Justiça seja comprada. Esse sentimento se acha por tal forma arraigado nos costumes e na maneira geral de pensar, que talvez ninguém o considere danoso; por outro lado, protestar contra a prática de semelhante máxima pareceria não somente ridículo, como serviria apenas para provocar a completa ruína do queixoso”.


E Charles Darwin, por ocasião da estada do Beagle em nosso país, em 1832: “Não importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é seguro que em pouco tempo ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados.”


E, na verdade, a desonestidade não grassava apenas na esfera dos agentes públicos leigos, mas invadia também, e largamente, o terreno eclesiástico.


Em carta que dirigiu ao rei de Portugal em 1719, o Conde de Assumar, governador da capitania de São Paulo e Minas Gerais, relatava “o deplorável estado em que vivem neste país quase todos os eclesiásticos”. E acrescentava: “sem ofender os seus reais ouvidos (…), seu menor vício é estarem publicamente amancebados”, chegando mesmo a participar de duelos para defender a “honra” de suas concubinas. Quanto às suas ocupações, consagravam o mínimo de seu tempo às funções sacerdotais, preferindo antes dedicar-se ao contrabando de ouro e pedras preciosas, à exploração de minas ou engenhos, ou ao ofício de estalajadeiros, de farmacêuticos ou mesmo de curandeiros, como atestaram, ainda aí, além de Saint-Hilaire, os viajantes estrangeiros John Mawe, Eschwege, Spix e Martius.


Não tenhamos dúvida, entre nós a corrupção de políticos e administradores públicos é uma prática já entranhada na mentalidade coletiva e que permeia os costumes ou modos de comportamento de todas as classes sociais. Os que têm recursos – pecuniários ou de influência – corrompem o quanto podem, sem problemas de consciência. Quanto aos que não têm recursos, eles não condenam corruptores e corruptos, dando a entender que fariam o mesmo se estivessem no lugar de uns ou de outros.


Sou, no entanto, bastante idoso para perceber que a situação começa a mudar. Hoje, ao contrário do que parece, a corrupção não aumentou em relação ao passado. A verdadeira mudança ocorreu com a redução do número de pessoas que manifestam indiferença ou complacência para com a generalizada prática do suborno.


Entendo que a atual Presidente da República tem seguido, com coragem e determinação, no rumo certo: a intransigência com qualquer prática de corrupção no Poder Executivo federal, mesmo quando contamina Ministros de Estado.


Não basta, porém, apoiar a Presidente nessa missão moralizadora.


Como a mentalidade coletiva não muda rapidamente, é indispensável montar uma política pública de longo prazo para combater a corrupção, comportando instituições adequadas e uma ampla campanha de educação cívica.


Dentre as instituições adequadas para lutar contra a improbidade política e administrativa, entendo que devemos criar instrumentos novos de atuação popular. Cito dois, que me parecem importantes.


De um lado, a criação de ouvidorias do povo, em todas as unidades da federação e em relação a todos os órgãos públicos (Legislativo, Executivo, Judiciário, Ministério Público); ouvidorias essas que gozariam de autonomia administrativa e financeira, e cujos chefes seriam eleitos pelo próprio povo e não nomeados pela chefia do órgão a ser fiscalizado.


De outro lado, é imprescindível criar novas ações populares, isto é, ações judiciais propostas por qualquer cidadão em nome do povo; não só ações penais, mas também de improbidade administrativa, comportando demissão do agente público. Na Constituição Imperial de 1824, instituiu-se uma ação popular contra qualquer magistrado, por “suborno, peita, peculato e concussão” (art. 157). Por que abandonamos essa experiência no período republicano?


Quanto à campanha de educação cívica, ela deveria ser efetuada com recursos públicos e contar com amplo apoio dos meios de comunicação de massa, notadamente o rádio e a televisão.


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

democracia participativa de Humberto Dantas


Democracia Participativa: uma nova forma de entendermos a democracia

O objetivo desse artigo é contribuir para a compreensão da necessária participação da sociedade no poder, mostrando que a aproximação entre representantes e representados é o resultado de uma combinação de dois fatores: a crise da democracia representativa e a inaplicabilidade da democracia direta. Serão apresentadas a seguir algumas definições conceituais. 
A democracia direta
Quando pensamos na origem da democracia nos reportamos à experiência vivida na Grécia clássica. Atenas é considerada por muitos o berço da democracia. É a partir desse momento que passamos a entender a gestão dos negócios públicos como o resultado do desejo de uma maioria. Não existia, nesse modelo, a figura dos representantes e, conseqüentemente, eleições. O complexo governo de Atenas pode ser resumido da seguinte maneira: uma assembléia a que todos aqueles que eram considerados cidadãos podiam participar, e lá eram tomadas as principais decisões públicas. Atualmente, a impossibilidade de implementação de um sistema como esse é explicada, principalmente, por três razões: o enorme contingente de cidadãos existente em um país, a extensão dos territórios nacionais e, conseqüentemente, o tempo que seria gasto para que decidíssemos algo. 
A democracia representativa
A democracia representativa não pode ser entendida como uma resposta histórica às impossibilidades geradas pela democracia direta. Isso porque a trajetória do conceito de democracia não é linear. No século XV, na Suécia, foi criado um parlamento que dava a representantes do povo, da burguesia, do clero e da nobreza voz num parlamento. Já no século XVII, funcionando como sistema de pesos e contrapesos - com o intuito de limitar o poder absolutista -, a Europa experimentou uma série de experiências de separação dos poderes. Ocupando lugar nos parlamentos, estavam cidadãos eleitos para representar determinadas parcelas da sociedade. É dessa escolha que nasce a idéia de democracia representativa. 
O século XX e a crise da representação
Iniciamos o século XX com a percepção de que não bastava mais pensarmos em representação de determinadas classes no poder. A idéia de que deveria votar quem tinha algo a perder - sob o aspecto econômico - foi paulatinamente deixada de lado. Passava a vigorar o sentimento de que todos os cidadãos podem contribuir para a construção do poder, e isso significa dizer que nenhum adulto deve ser isentado do voto. Nasce a idéia do sufrágio universal. A mulher passa a fazer parte da política, assim como os cidadãos das classes mais pobres. Atravessamos grande parte do século XX sob a crença de que a forma representativa, desde que assegurada a liberdade de participação de todos os cidadãos, era "ideal" para contemplarmos amplamente o conceito de democracia.
Após quase cem anos, chegamos ao fim do século XX acreditando na existência de uma crise dessa forma representativa. Mas o que nos leva a esse tipo de percepção? Os representantes já não conseguem mais identificar e atender todas as demandas da sociedade. Primeiro porque a globalização e a economia mundial enfraqueceram o poder dos Estados. Segundo porque a sociedade tem se organizado melhor em torno de infinitas questões, e essas organizações têm cobrado de maneira mais efetiva os governos e seus representantes.
As exigências vêm se tornando mais complexas, e parece clara a necessidade de interatividade entre o governo e a sociedade, ou seja, entre representantes e representados. 
O papel das organizações no século XXI.
O conceito de democracia sofre então uma nova guinada em sua dinâmica trajetória. O sistema representativo já não responde aos anseios da sociedade, e a democracia direta parece inviável. Como resultado, começa a se fortalecer o conceito de democracia participativa, com características semidireta, ou seja, não desconsidera os representantes, mas aproxima a sociedade da arena decisória. De acordo com alguns teóricos, a democracia participativa passa a configurar-se como um continuum entre a forma direta e a representativa. 
Nesse sentido, a Organização das Nações Unidas (ONU) define em seu relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano de 2000 uma nova forma de se entender a democracia. Já não nos basta votar em eleições livres, e nem tampouco garantir a existência de oposição, liberdade de imprensa etc. Essas exigências já fazem parte do conceito mais elementar de democracia. As nações modernas precisam incentivar a sociedade a organizar-se. O objetivo é fazer com que, juntos, os cidadãos reivindiquem espaço e avancem em suas conquistas. Ao Estado cabe oferecer ferramentas que catalizem essas demandas, afastando-se da clássica visão horizontal de poder. 
A participação institucionalizada no Brasil
A promulgação da Constituição de 1988 iniciou a retomada do conceito de cidadania no país. Durante a elaboração da Carta Constitucional, a sociedade buscou participação na construção do texto oficial. Reconhecendo a importância dessa contribuição, foram criados três mecanismos que aproximaram a constituinte da sociedade. O primeiro deles foi um banco de dados disponibilizado pelo Senado. O Sistema de Apoio Informático à Constituinte (SAIC) coletou, por meio do preenchimento de um formulário distribuído por todo o país, 72.719 sugestões. Além disso, a sociedade foi chamada para comparecer a reuniões de subcomissões temáticas. Foram cerca de 400 encontros, de onde emergiram mais de 2.400 sugestões.

Após a elaboração do anteprojeto, uma terceira e última possibilidade foi ofertada. De acordo com o artigo 24 do Regimento Interno da Constituinte, entidades associativas, legalmente constituídas, teriam um prazo de pouco mais de um mês para coletar 30.000 assinaturas e apresentar emendas a esse anteprojeto. A responsabilidade por tais sugestões deveria ser encabeçada por três entidades. Durante o curto período de tempo que tiveram, foram colhidas mais de 12 milhões de assinaturas, e encaminhadas 122 emendas populares. Dessas, 83 atenderam às exigências regimentais e foram defendidas por interlocutores no Congresso. 
O processo constituinte foi um claro exemplo do poder de mobilização da sociedade em torno de questões de interesse coletivo. A coleta de 12 milhões de assinaturas, as 2.400 sugestões e o envio de quase 73 mil formulários ao SAIC transpareceram a esperança de que, após o regime militar, estávamos dispostos a participar ativamente das decisões políticas do país.
A Constituição, no entanto, não respondeu a contento a essa demanda. O voto foi garantido a todos os cidadãos. Uma participação que fosse além desse instrumento pontual, no entanto, não foi contemplada. O referendo não foi utilizado ao longo dos anos que nos separam da promulgação da Constituição. O plebiscito foi usado, nacionalmente, apenas uma vez - quando decidimos manter nossa república presidencialista. Por fim, as leis de iniciativa popular passaram a exigir um esforço descomunal da sociedade. Para apresentar uma lei à Câmara dos Deputados são necessárias mais de um milhão e cem mil assinaturas, o que corresponde a 1% de nosso eleitorado. Um único projeto venceu essa barreira. Sua aprovação ocorreu em 1997, transformando-se na lei 9.840/97 que trata da corrupção eleitoral. A sociedade, após a marcante participação no processo constituinte, teve seus impulsos arrefecidos. 
As modernas formas de participação
A despeito dos tradicionais canais de participação - garantidos em quase todas as constituições democráticas do mundo - o país não assistiu a utilização em escala razoável de tais instrumentos. Medidas inovadoras, no entanto, surgiram e tornaram-se exemplos emblemáticos do compromisso de políticos com a transparência e com a aproximação entre representantes e representados. O Brasil tornou-se um exemplo mundial no desenvolvimento de ferramentas alternativas de participação. Em 1989, destaca a ONU, o Orçamento Participativo de Porto Alegre tornou-se um símbolo do controle social sobre a aplicação das verbas destinadas aos investimentos. A medida espalhou-se pelo país, e hoje centenas de governos - estaduais e municipais - implementaram tais ferramentas.

Em inúmeras localidades também foram testadas, com sucesso, experiências de Gestão Participativa. Além de discutir os investimentos, a sociedade passou a participar de reuniões que visavam democratizar o gerenciamento de alguns serviços. Além dessa ferramenta, milhares de Conselhos Gestores de Políticas Públicas surgiram para discutir temas pontuais, dando aos governos diretrizes e idéias a respeito de serviços pontuais. 
Por fim, surgiram as Comissões de Legislação Participativa, uma iniciativa inaugurada pela Câmara dos Deputados que, rapidamente, espalhou-se por dezenas de estados e municípios. A idéia consiste em viabilizar a participação da sociedade nos trabalhos legislativos. A comissão recebe idéias enviadas por organizações da sociedade, sem a necessidade de coleta de assinaturas, e as aprecia. Aprovadas nas reuniões internas, as proposições passam a tramitar normalmente, como uma proposta parlamentar comum. 
Escolas de política e educação para a cidadania

O que essas experiências brasileiras apontam é que a implementação de tais ferramentas torna-se verdadeiras escolas de cidadania à população participante, e o interesse se eleva de acordo com o funcionamento do mecanismo. Em Porto Alegre, por exemplo, aumentou muito o número de participantes a medida em que a sociedade notou a eficácia do instrumento. A percepção de que a política transcende o voto é fundamental, sendo a deliberação e a participação indispensáveis ao atendimento das modernas concepções de democracia. Em outros casos, como, por exemplo, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, o interesse ainda é pequeno, o que gera algumas distorções. 
A despeito dos ensinamentos que tais ferramentas oferecem aos cidadãos, temos um grande contingente que não reconhece a importância de tais mecanismos e, consequentemente, não procura participar. Nesse caso, é necessário pensarmos em um rigoroso programa de educação política. A sociedade não pode descobrir a importância da participação apenas na prática, pois muitos não têm a oportunidade, ou o interesse, de atuar. O papel do cidadão precisa ser revelado na escola, como forma de legitimar ainda mais as ferramentas participativas e a democracia como um todo. Algumas iniciativas educacionais são emblemáticas, mas alcançar o país como um todo exige um esforço ainda maior, exige um compromisso governamental.


**Humberto Dantas, doutorando em Ciência Política pela USP, professor universitário, consultor do Instituto Ágora do Eleitor e da Democracia e voluntário do Movimento Voto Consciente.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

despedida nas férias, professora recebe o A-Previo.


Por decisão unânime, a Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reformou sentença de primeira instância, assegurando, assim, o direito ao aviso-prévio a uma professora da Sociedade Religiosa Talmud Torah Hertzlia dispensada no curso das férias escolares. 

O Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª região (RJ), contrariamente ao entendimento do Juízo de origem, afirmou não haver incompatibilidade no procedimento da escola de conceder aviso-prévio no curso das férias escolares, pois a norma do parágrafo 3.º do artigo 322 da CLT busca garantir ao professor a retribuição relacionada ao período de férias escolares, que não se confundem com férias trabalhistas, concluiu. Sob esse entendimento, excluiu da condenação da empresa o pagamento do aviso-prévio. 

A professora, ao interpor recurso de revista, insistiu em seu direito ao recebimento solicitado, que, a seu ver, lhe estaria garantido nos termos do mencionado artigo da CLT o qual dispõe que, em caso de demissão sem justa causa no período de férias, a quitação das verbas rescisórias não isenta a empregadora do pagamento do aviso-prévio. 

O relator do acórdão na Segunda Turma, ministro Guilherme Caputo Bastos, observou que conforme consta nos autos a comunicação da demissão da professora ocorreu em data posterior ao início das férias escolares e, desse modo, ressaltou, não há como se entender que a remuneração das férias escolares também quitou o aviso-prévio. Portanto, a relatoria entendeu que, o Regional, ao considerar que a demissão sem justa causa no período mencionado já inclui a indenização do aviso-prévio, incorreu em violação do artigo 322, parágrafo 3.º, da CLT. 

Por esses fundamentos, a Segunda Turma do TST, unanimemente, conheceu do apelo da professora e restabeleceu a sentença de origem assegurando-lhe, desse modo, o recebimento da verba à qual faz jus (RR-53200-45.2009.5.01.0068)


RR-53200-45.2009.5.01.0068 
Raimunda Mendes)
Secretaria de Comunicação Social
 

sábado, 20 de agosto de 2011

Há um palhaço ensinando



O Brasil precisa decidir se educar a sua infância se enquadra entre as essencialidades do Estado e da sociedade. Se assim entender, terá que repensar o tratamento dispensado a um protagonista que ocupa a linha de frente desse processo: o professor, sobretudo o do ensino básico. O principal emissário da sociedade brasileiro junto à infância, dedicando 40 horas semanais a socializar algo como 50 milhões de meninos e meninasjá em idade escolar ou a caminho - recebe pouco mais de dois salários mínimos por mês. Professores de 11 Estados entraram em greve por um holerite de R$ 1.187 reais. [O artigo é de Saul Leblon/ Carta Maior.]

>>>O Estado brasileiro tem como meta pagar ao professor de ensino básico um salário equivalente hoje a R$ 3 mil reais num prazo de dez anos. O prazo é compatível com a essencialidade da tarefa a ele atribuída? 

O Brasil precisa decidir se educar a sua infância se enquadra entre as essencialidades do Estado e da sociedade. Se assim entender, terá que repensar o tratamento dispensado a um protagonista que ocupa a linha de frente desse processo: o professor de um modo geral, mas, sobretudo, o do ensino básico. 

domingo, 14 de agosto de 2011

leitura obrigatória - capitalismo a ser erradicado


“É necessária a erradicação do capitalismo”

Em Salvador, o filósofo István Mészáros defende que a crise do capitalismo é estrutural

Ana Maria Amorim
Foto: Amanda Dutra/LabFoto
De passagem pelo Brasil, o filósofo húngaro István Mészáros teve em sua agenda a conferência plenária “Crise estrutural necessita de mudança estrutural”, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade Federal da Bahia (UFBA), nesta segunda-feira (13). Começava com Mészáros, portanto, o II Encontro de São Lázaro, que comemora os 70 anos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA. O Salão Nobre da Reitoria foi tomado por uma maioria jovem que recebeu Mészáros com entusiasmo e sonoras palmas.
Mészáros começa sua fala deixando claro que nada do que ele está propondo pode ser visto como uma “utopia não realizável” e que, para transformarmos este tão-chamado impossível em realidade é primordial que a crise do capitalismo seja avaliada adequadamente. “Sem uma avaliação da crise econômica e social de nossos dias, que já não pode ser negada pelos defensores da ordem capitalista, ainda que eles rejeitem a necessidade de uma mudança maior, a probabilidade de sucesso a esse respeito é insignificante”, diz o filósofo.
Natureza da crise
Para Mészáros, a crise que o mundo enfrenta é uma “crise estrutural profunda e cada vez mais grave, que necessita da adoção de remédios estruturais abrangentes, a fim de alcançar uma solução sustentável”. Apesar de comumente a crise ser apresentada como ‘atual’, Mészáros discorda que ela tenha se originado em 2007, com a explosão da bolha habitacional dos Estados Unidos. A crise teria começado há mais de quatro décadas e, em 1971, ele já escrevia no prefácio de “Teoria da Alienação em Marx” que as revoltas de maio de 68 e seus desdobramentos “salientavam dramaticamente a intensificação da crise estrutural global do capital”.
Por ser uma crise estrutural, e não apenas conjuntural, esta crise não pode ser solucionada no foco que a gera sem que não haja uma mudança desta estrutura que a criou. Mészáros reforça a diferença entre as crises conjunturais e estruturais, diferenciando-as pela impossibilidade destas realimentarem o sistema, se remodelarem a partir de uma nova forma ainda nas bases do sistema capitalista. Isto, contudo, não significa que as crises conjunturais possam se apresentar até mesmo de forma mais violenta que as crises estruturais. “O caráter não-explosivo de uma crise estrutural prolongada, em contraste com as grandes tempestades, nas palavras de Marx, através das quais crises conjunturais periódicas podem elas mesmas se liberar e solucionar, pode conduzir a estratégias fundamentalmente mal concebidas, como resultado da interpretação errônea da ausência de tempestades, como se tal ausência fosse uma evidência impressionante da estabilidade indefinida do ‘capitalismo organizado’ e da ‘integração da classe trabalhadora’”, diz Mészáros.
O que esta crise (que não é nova) teria como características que a definem como estrutural? Mészáros aponta quatro aspectos principais: o caráter universal (ou seja, não é reservada a um ramo da produção, ou estritamente financeira, por exemplo); o escopo verdadeiramente global (não envolve apenas um número limitado de países); escala de tempo extensa e contínua (“se preferir, permanente”, adiciona Mészáros, enfatizando que não se trata de mais uma crise cíclica do capital) e, por fim, modo de desdobramento gradual (“em contrates com as erupções e colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado”, diz o filósofo). Assim é construído o cenário que qualificaria esta crise como estrutural, com a impossibilidade de solução das “tempestades” dentro da atual estrutura.
Capitalismo destrutivo
Outro ponto levantado por Mészáros – e recebido com manifestações de apoio pela platéia – foi delinear os “limites absolutos” do capitalismo. Um desses limites passa pelo papel do trabalho na sociedade, que é visto como uma necessidade, tanto para os indivíduos que produzem quando para a sociedade como um todo. Uma situação onde o trabalho seja visto como um problema, ou pior, como uma falha, tem em si um limite a ser resolvido. O capitalismo, para Mészáros, “com seu desemprego perigosamente crescente” (ainda que a questão não seja meramente numérica), apresenta no trabalho um dos seus limites.
Mészáros chama ainda a atenção para outros males dessa estrutura. A primeira questão apresentada pelo filósofo estaria no foco que o capital vem apontado, os “setores parasíticos da economia”. Para ilustrar o que seria isso, Mészáros aponta para o aventurismo especulativo que a economia tem vivenciado (e que, quando peca em seus resultados, é apontado como um fracasso individual, pertencente a um determinado grupo, quando, para o filósofo, deveria ter o sistema como grande culpado, visto que ele deveria responder por aquilo que produz para se oxigenar) e a uma “fraudulência institucionalizada”.
As guerras e o seu complexo aparato industrial militar aparecem como um desperdício autoritário ao qual o capital submete a sociedade. Este ponto é analisado por Mészáros como uma “operação criminosamente destrutiva e devastadora de uma indústria de armas permanente, juntamente com as guerras necessariamente a elas associadas”. Esta produção sistemática de conflitos e estímulo a uma produção militar resultaria no outro limite destrutivo no capitalismo, apesar de não ser apenas resultado deste, que seria a destruição ecológica: “o dinamismo monopolista militarmente embasado teve até mesmo que assumir a forma de duas devastadoras guerras mundiais, bem como da aniquilação total da humanidade implícita em uma potencial terceira guerra mundial, além da perigosa destruição atual da natureza que se tornou evidente na segunda metade do século XX”.
Criar o futuro
“Existe e deve existir esperança”, diz o filósofo. Apesar do retrato de destruição apresentado por Mészáros e vivenciado cotidianamente dentro da própria estrutura capitalista da sociedade, faz-se o esforço de pensar o futuro, não apenas como um desejo sonhador, mas sim como uma tarefa necessária para mudar o sistema.
A solução para os problemas apontados pelo capital já foram apresentados em momentos históricos anteriores. Mészáros resgata as soluções apresentadas para o capitalismo. Relembrando o liberal John Stuart Mill, Mészáros aponta como inconcebível que o capitalismo chegue a “um estado estacionário da economia”, como defendia Mill, pois faz parte da lógica capitalista a incessante expansão do capital e da sua acumulação. Retomando o ponto do limite da ecologia, fica mais visível o caráter ilusório de um freio para o capital, visto que em 2012 será realizado o Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que pretende engajar as nações em um projeto sustentável de crescimento. As tentativas de criar projeções para as taxas de emissão de carbono, por exemplo, sempre presente nas pautas ecológicas, seriam, para Mészáros, a evidência da incompatibilidade entre o capital e o freio, ainda, entre o capital e o não-avanço destrutivo na natureza.
Mészáros ainda aponta como soluções já tentadas na história: a saída social democrata, socialismo evolutivo, o Estado de Bem Estar Social e a promessa da fase mais elevada do socialismo. “O denominador comum de todas essas tentativas fracassadas – a despeito de suas diferenças principais – é que todas elas tentaram atingir seus objetivos dentro da base estrutural da ordem sociometabólica estabelecida”. Pensar a mudança sem erradicar o capital, portanto, seria deixar latente a possibilidade do capital voltar, ser “restaurado”. A mudança, para Mészáros, precisa ser estrutural e radical, como ele bem especificou para a plateia, extirpando o capital pela raiz.
O rombo estadunidense na economia, com um débito alarmante de U$ 14 trilhões, é, para o filósofo, a marca de um desperdício. Ao ver a inquietude dos capitalistas com a China e seus “três trilhões [de dólares] em caixa”, o capitalismo já pensa um “melhor uso” para esse montante. “E qual é o melhor uso? Por de volta no buraco que fizeram nos Estados Unidos?”, questiona Mészáros. Como foi gerado e como se pode assegurar que um rombo desta proporção não se repita na história são perguntas entrelaçadas ao caráter estrutural da crise e, em conseqüência disto, da resposta necessariamente estrutural que ela requer. Crise esta que tropeça em suas intermináveis guerras, devastação da natureza e contínua produção destrutiva.
Foto: Amana Dutra/LabFoto

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/