BRASÍLIA – A demissão do
ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República Gustavo
Bebianno, pelo presidente Jair Bolsonaro foi precedida por uma
discussão longa por meio do aplicativo Whatsapp, com troca de acusações entre
eles, relacionadas à TV Globo, a uma viagem à Amazônia, revelada
pelo Estado, e às suspeitas de que haveria candidaturas laranjas
no PSL, partido de ambos.
Os áudios, datados de 12 de
fevereiro, terça-feira passada, foram publicados nesta terça-feira,
19, pelo site da revista Veja e confrontam a versão do
presidente, que havia dito que o ex-ministro mentiu ao dizer que ambos
haviam conversado naquela data.
Bolsonaro disse em entrevista à Record TV que
era mentira que eles houvessem mantido um diálogo antes da alta hospitalar.
O Estado procurou o Palácio do Planalto para comentar o caso e
aguarda resposta.
As mensagens dão ideia do
conjunto de razões para a demissão do ex-ministro, que, segundo a Presidência
da República, foram de “foro íntimo” de Bolsonaro. O presidente é chamado por
Bebianno de “capitão” ao longo do diálogo.
Na conversa, Bolsonaro trata
a TV Globo como “inimiga” e manda o agora ex-ministro cancelar uma
audiência com um representante da direção da empresa, no Palácio do Planalto.
Segundo a revista, o
presidente encaminhou a Bebianno a mensagem na terça-feira, dia 12, com a
agenda do ministro. Ele receberia o vice-presidente de Relações Institucionais
do Grupo Globo, Paulo Tonet Camargo, e respondeu: “Algo contra, capitão?”.
“Gustavo, o que eu acho desse
cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero ele aí dentro. Qual a
mensagem que vai dar para as outras emissoras? Que nós estamos se aproximando
da Globo. Então não dá para ter esse tipo de relacionamento. Agora… Inimigo
passivo, sim. Agora… Trazer o inimigo para dentro de casa é outra história. Pô,
cê tem que ter essa visão, pelo amor de Deus, cara. Fica complicado a gente ter
um relacionamento legal dessa forma porque cê tá trazendo o maior cara que me
ferrou – antes, durante, agora e após a campanha – para dentro de casa. Me
desculpa. Como presidente da República: cancela, não quero esse cara aí dentro,
ponto final.”
O presidente também relata
restrições a uma viagem à Região Norte, que era articulada, enquanto ele ainda
estava internado em recuperação de uma cirurgia, com os ministros Ricardo
Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).
O presidente dispara:
“Gustavo, uma pergunta: “Jair
Bolsonaro decidiu enviar para a Amazônia”? Não tô entendendo. Quem tá patrocinando
essa ida para a Amazônia? Quem tá sendo o cabeça dessa viagem à Amazônia?”
Em seguida, Bolsonaro relata
ter conversado com os demais ministros – que seriam contra a missão amazônica –
e mostra preocupação em ser cobrado posteriormente por resultados.
“Ô, Bebianno. Essa missão não
vai ser realizada. Conversei com o Ricardo Salles. Ele tava chateado que tinha
muita coisa para fazer e está entendendo como missão minha. Conversei com a
Damares. A mesma coisa. Agora: eu não quero que vocês viajem porque… Vocês
criam a expectativa de uma obra. Daí vai ficar o povo todo me cobrando. Isso
pode ser feito quando nós acharmos que vai ter recurso, o orçamento é nosso,
vai ser aprovado etc. Então essa viagem não se realizará, tá OK?!”
Em outro mensagem, o
presidente revela preocupação com a investigação da suspeita de desvio de
dinheiro público no PSL, por meio de candidatas que teriam simulado
participação na campanha.
“Querem empurrar essa batata quente desse dinheiro lá pra
candidata em Pernambuco pro meu colo, aí não vai dar certo. Aí é desonestidade
e falta de caráter”, afirma Bolsonaro.
“A Polícia Federal vai entrar no circuito, já entrou no
circuito, pra apurar a verdade. Tudo bem, vamos ver daí… Quem deve paga, tá
certo? Eu sei que você é dessa linha minha aí.”
Bebianno tenta explicar sua
participação na distribuição dos recursos públicos ao partido, que presidiu ao
longo da campanha de 2018.
O ex-ministro sustenta que a
responsabilidade por supostas irregularidades nas candidaturas em Pernambuco
seria do deputado Luciano Bivar (PSL-PE), que comanda o diretório local.
Bebianno afirma que o presidente está “envenenado”.
“Em relação a isso, capitão, também acho que a coisa está…
Não está clara. A minha tarefa como presidente interino nacional foi cuidar da
sua campanha. A prestação de contas que me competia foi aprovada com louvor, é…
Agora, cada Estado fez a sua chapa. Em nenhum partido, capitão, a nacional é responsável
pelas chapas estaduais. O senhor sabe disso melhor do que eu. E, no nosso caso,
quando eu assumi o PSL, houve uma grande dificuldade na escolha dos presidentes
de cada Estado, porque nós não sabíamos quem era quem. É… Cada chapa foi
montada pela sua estadual. No caso de Pernambuco, pelo Bivar, logicamente. Se o
Bivar escolheu candidata laranja, é um problema dele, político. E é um problema
legal dela explicar o que ela fez com o dinheiro. Da minha parte, eu só repassei
o dinheiro que me foi solicitado por escrito. Eu tenho tudo registrado por
escrito. Então é ótimo que a Polícia Federal esteja, é ótimo que investigue, é
ótimo que apure, é ótimo que puna os responsáveis. Eu não tenho nada a ver com
isso. É… Depois a gente conversa pessoalmente, capitão, tá? Eu tô vendo
que o senhor está bem envenenado. Mas tudo bem, a minha consciência está
tranquila, o meu papel foi limpo, continua sendo. E tomara que a polícia chegue
mesmo à constatação do que foi feito, mas eu não tenho nada a ver com isso. O Luciano
Bivar que é responsável lá pela chapa dele.”
Segundo a revista, os áudios
comprovam que Bebianno de fato manteve contato com o presidente por “três
vezes”, enquanto ele ainda estava internado, no dia 12, terça-feira passada,
conforme o ministro relatara ao jornal O Globo.
O ministro negava haver uma
crise no governo por causa da revelação, pela Folha de S. Paulo, de
suspeitas envolvendo candidatas laranjas do PSL.
“Não existe crise nenhuma. Só hoje (terça-feira) falei três
vezes com o presidente”, disse, então, Bebianno
a O Globo.
A informação foi o estopim
para que Carlos Bolsonaro, filho do presidente, viesse a público pelo
Twitter acusar o ministro, de quem desconfiava, de mentir. O presidente
endossou a reação do filho e negou que ele estivesse incitando a demissão de
Bebianno.
“Carlos incitando a saída é
mais uma mentira. Você conhece muito bem a imprensa, melhor do que eu. Agora:
você não falou comigo nenhuma vez no dia de ontem. Ele esteve comigo 24 horas
por dia. Então não está mentindo, nada, nem está perseguindo ninguém”, afirmou Bolsonaro.
Bebianno tentou
contemporizar, magoado com o filho do presidente. Bolsonaro, porém, rejeita a
informação de que falar por Whatsapp seria considerado uma conversa e diz que
não vai mais tratar com o ex-ministro, a quem acusava ainda de plantar notas na
imprensa.
O ex-ministro reage:
“Capitão, há várias formas de se falar. Nós trocamos
mensagens ontem três vezes ao longo do dia, capitão. Falamos da questão do
institucional do Globo. Falamos da questão da viagem. Falamos por escrito,
capitão. Qual a relevância disso, capitão? Capitão, as coisas precisam ser
analisadas de outra forma. Tira isso do lado pessoal. Ele não pode atacar um
ministro dessa forma. Nem a mim nem a ninguém, capitão. Isso está errado. Por
que esse ódio? Qual a relevância disso? Vir a público me chamar de mentiroso?
Eu só fiz o bem, capitão. Eu só fiz o bem até aqui. Eu só estive do seu lado, o
senhor sabe disso. Será que o senhor vai permitir que eu seja agredido dessa
forma? Isso não está certo, não, capitão. Desculpe.”
O ex-ministro ainda envia
outra mensagem em que sustenta “pregar a paz”:
“Capitão, eu só prego a paz, o tempo inteiro. O tempo
inteiro eu peço para a gente parar de bater nas pessoas. O tempo inteiro eu
tento estabelecer uma boa relação com todo mundo. Minha relação é maravilhosa
com todos os generais. O senhor se lembra que, no início, eu não podia
participar daquelas reuniões de quartas-feiras, porque os generais teriam
restrições contra mim? Eu não entendia que restrições eram aquelas, se eles nem
me conheciam. O senhor hoje pergunte para eles qual o conceito que eles têm a
meu respeito, sabe, capitão? Eu sou uma pessoa limpa, correta. Infelizmente não
sou eu que faço esse rebuliço, que crio essa crise. Eu não falo nada em público.
Muito menos agrido ninguém em público, sabe, capitão? Então quando eu recebo
esse tipo de coisa, depois de um post desse, é realmente muito desagradável.
Inverta, capitão. Imagine se eu chamasse alguém de mentiroso em público. Eu não
sou mentiroso. Ontem eu falei com o senhor três vezes, sim. Falamos pelo
WhatsApp. O que é que tem demais? Não falamos nada demais. A relevância disso…
Tanto assunto grave para a gente tratar. Tantos problemas. Eu tento proteger o
senhor o tempo inteiro. Por esse tipo de ataque? Por que esse ódio? O que é que
eu fiz de errado, meu Deus?”
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