Dilma deixa, com esse manifesto
furiosamente bem escrito, sua marca para a posteridade. Deixa um legado para
todos os cidadãos e cidadãs do mundo, um
registro de força, de autoestima, de elegância e de luta.
CONTESTO! Por Dilma Rousseff
"No último 11 de
março foi concluído, pelo Supremo Tribunal Federal, o julgamento dos processos
judiciais que promovi para discutir a validade do meu impeachment. Por meio de
sessão virtual (plenário eletrônico) e, portanto, sem que a minha defesa
pudesse apresentar minhas razões em sustentação oral, a maioria dos ministros
da Suprema Corte decidiu por manter a decisão isolada que monocraticamente as
julgou.
Reitero o que tenho apontado desde
2016: fui vítima de um golpe parlamentar baseado em um impeachment fraudulento,
ato inicial de um retrocesso institucional que abriu caminho para a crise da
democracia que estamos vivendo.
Diante dessa decisão e da forma pela
qual foi tomada, não posso me calar. Na
condição de pessoa que lutou pela democracia e sofreu até no seu próprio corpo
as consequências dessa luta, afirmo que o que foi decidido pela Suprema Corte
está em desacordo com a nossa Constituição, com a legislação em vigor, com o
Regimento Interno do próprio STF e com os princípios que orientam um Estado
Democrático de Direito, que desde o golpe do impeachment, vem sendo fragilizado
junto com as instituições da República.
Por isso, no exercício da liberdade
de manifestação garantida pela mesma Constituição Federal que jurei cumprir ao tomar
posse no meu mandato presidencial,
CONTESTO essa decisão por não ter
sido provada a prática de qualquer crime de responsabilidade por mim praticado,
inexistindo reais motivos constitucionais para que a cassação do meu mandato
fosse decidida pelo Senado Federal;
CONTESTO essa decisão porque esse
processo foi instaurado por decisão jurídica inválida em face do notório desvio
de poder em que incorreu o então Presidente da Câmara dos Deputados, Sr.
Eduardo Cunha, ao firmá-la em represália ao fato de eu ter me recusado a pedir
que meu partido votasse contra a abertura do procedimento que acabaria por
cassar seu mandato de deputado federal;
CONTESTO essa decisão pelo fato de que
meu impeachment foi promovido e consumado por uma comprovada articulação golpista
de líderes políticos caracterizados pela falta de caráter, pela deslealdade
institucional e pelo descompromisso ético com a coisa pública, como o próprio
decurso do tempo já se encarregou de demonstrar e a história haverá de
registrar para sempre;
CONTESTO essa decisão porque as
acusações que motivaram o meu impeachment foram condutas realizadas pelos
governos que me antecederam, sendo até então consideradas como lícitas pelos
órgãos de controle, por juristas e por órgãos técnicos do Poder Executivo Federal;
CONTESTO essa decisão porque nunca
nada foi comprovado em meu desfavor quanto a falta de probidade, a prática de
corrupção ou de enriquecimento ilícito, ao contrário de que ocorreu com os que
articularam e promoveram o golpe parlamentar que me afastou da Presidência da
República ou acabaram constituindo o governo golpista que me sucedeu;
CONTESTO essa decisão porque tenho
por inaceitável que o Supremo Tribunal Federal, após longos anos de tramitação,
não tenha examinado o meu pedido judicial em sessão pública e presencial do seu
colegiado maior, como se fosse comum e corriqueiro o julgamento de processos
que envolvem a perda de um mandato presidencial;
CONTESTO essa decisão por não ter a
nossa Suprema Corte se permitido examinar as arguições de fundo que foram
apresentadas pela minha defesa, afastando-se, com isso, do princípio
estabelecido na nossa Constituição de que nenhuma lesão de direito pode ficar
afastada da apreciação do Poder Judiciário;
CONTESTO essa decisão por ter criado
um perverso precedente judicial pelo qual todos os processos de impeachment
futuros, inclusive os passíveis de serem promovidos contra Ministros da Corte
Suprema, não poderão comportar reexame judicial do seus motivos, legitimando,
com isso, novas violências e golpes que porventura possam vir a ser praticados
contra o voto popular ou contra o livre exercício das funções da mais elevada
magistratura do país;
CONTESTO essa decisão por ter
admitido que processos dessa gravidade possam ser decididos monocraticamente,
invocando contraditoriamente o embasamento regimental de que existiria
jurisprudência consolidada a respeito, ao contrário do que expressamente
reconheceu o próprio relator original, Ministro Teori Zavascki, ao explicar as
razões pelas quais negava a medida liminar por mim pleiteada;
CONTESTO essa decisão não por
imaginar que pudesse ser ainda reconduzida ao cargo, uma vez que o tempo do meu
mandato se exauriu diante da demora na apreciação final das ações judiciais que
promovi, mas por ter a convicção de que a história democrática do nosso país
merecia o respeito de uma decisão jurisdicional que examinasse a ausência de
motivos para o meu impeachment, e de que o objeto da punição indevida e injusta
que a mim foi aplicada ainda pode sobreviver juridicamente por restarem
pendentes de decisão da Suprema Corte as ações judiciais em que se discute a
perda dos meus direitos políticos;
CONTESTO essa decisão pelo fato de
que o processo acessório em que se discute a perda dos meus direitos políticos
está a espera de pauta para ser apreciado de modo presencial pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal, enquanto o processo principal foi julgado em sessão
virtual como se fosse uma demanda corriqueira na qual são discutidas questões
comuns e de fácil solução;
CONTESTO essa decisão pelo fato de
que meus algozes terão direito a voz na sessão pública em que se julgará os
processos em que se discute a suspensão dos meus direitos políticos, negada
pelo Senado Federal, enquanto a minha defesa não teve a mesma oportunidade para
demonstrar a ilicitude da decisão principal que a motivou;
Alfio Bogdan - físico e professor
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