Violações de direitos humanos
marcam formação de policiais militares brasileiros
Ciro Barros | Agência Pública | São Paulo - 20/07/2015
Praças da Polícia Militar
criticam abusos físicos, psicológicos e disciplinares dentro da corporação:
'como uma polícia antidemocrática vai cuidar de uma sociedade democrática?',
pergunta ex-soldado, Darlan Menezes, expulso por suas críticas.
“Bora, bora, você é um bicho.
Você é um jumento, seu gordo!”. O ex-soldado Darlan Menezes Abrantes imita a
fala dos oficiais que o instruíam na academia quando ingressou na Polícia
Militar do Ceará, em fevereiro de 2001. “Às vezes, era hora do almoço e os
superiores ficavam no meu ouvido gritando que eu era um monstro, um parasita.
Parecia que tava adestrando um cachorro. O soldado é treinado pra ter medo de
oficial e só. O treinamento era só mexer com o emocional, era pro cara sair do
quartel igual a um pitbull, doido pra morder as pessoas. Como é que eu vou
servir a sociedade desse jeito? É ridículo. O policial tem que treinar o
raciocínio rápido, a capacidade de tomar decisões. Hoje se treina um policial e
parece que se está treinando um cachorro pra uma rinha de rua”, reflete.
Darlan lembra sem saudade dos
sete meses passados no extinto Curso de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da
PM cearense. “Sempre que um professor faltava, éramos obrigados a fazer faxina
em todo o quartel. E o pior: quem reclamava podia ficar preso o fim de semana
todo. A hierarquia fica acima de tudo no militarismo. O treinamento era só
aquela coisa da ordem unida [exercícios militares de formação de marcha, de
parada ou reunião dos membros da tropa], ficar o dia inteiro marchando debaixo
do sol quente. Lá dentro é um sistema feudal, você tem os oficiais que podem
tudo e os soldados que abaixam a cabeça e pronto, acabou. Você é treinado só
pra ter medo de oficial, só isso. O soldado que vê o oficial, mesmo de folga,
se treme de medo”, diz.
Enquanto era policial, Darlan
estudava Teologia no Seminário Teológico Batista do Ceará e Filosofia na UECE
(Universidade Estadual do Ceará). O ex-soldado conta que passou a questionar
algumas ordens e instruções enquanto frequentava a academia e logo ganhou um
apelido: “Mazela”, uma gíria mais comum no nordeste do Brasil para uma pessoa
mole, preguiçosa. Pouco a pouco se espalhava entre a tropa a ideia de que os
questionamentos do “Mazela” eram fruto de preguiça com relação aos exercícios
militares.
“Fiquei com essa fama no quartel”, afirma. “É
uma lavagem cerebral. O militarismo é uma espécie de religião que cria
fanáticos. Ordem unida, leis militares, os regimentos e tal, aqueles gritos de
guerra. Essas coisinhas bestas que os policiais vão aprendendo, como arrumar
direito a farda. Você pode ser preso se não tiver com um gorro ou chapéu na
cabeça. Essas coisas que só atrapalham a vida dos policiais. Às vezes eu pegava
um ônibus superlotado, chegava com a farda amassada e ficava sexta, sábado e
domingo preso. Você imagina? Por causa de uma besteira dessas? Isso é
ridículo”, exclama. “E isso é antes e depois do treinamento: se você for hoje na
cavalaria da PM de Fortaleza você vai ver policial capinando, pegando bosta de
cavalo, varrendo chão, lavando carro de coronel, abrindo porta para os
semideuses [oficiais]. Eu nunca concordei com isso e fiquei com fama de
preguiçoso”, diz.
O assédio moral é a regra na
formação da PM em cursos de curta duração que tem como preocupação principal
imprimir a cultura militar no futuro soldado; com pouco aprendizado teórico em
temas como direito penal, constitucional e direitos humanos; além da sujeição a
regulamentos disciplinares rígidos. É o que constatou a pesquisa “Opinião
dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública” publicada
em 2014 pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas (CPJA), da Escola de
Direito da FGV de São Paulo, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Foram ouvidos mais de 21 mil profissionais de segurança pública (entre
policiais civis, militares, rodoviários federais, agentes da polícia
científica, peritos criminais e bombeiros) de todas as unidades da federação,
mais da metade deles policiais militares, sobretudo praças (policiais de
patentes mais baixas). Destes, 82,7% afirmaram ter formação máxima de um ano
antes de exercer a função, 38,8% afirmaram que já foram vítima de tortura
física ou psicológica no treinamento ou fora dele e 64,4% disseram ter sido
humilhados ou desrespeitados por superiores hierárquicos. 98,2% de todos os
profissionais (incluindo profissionais de outras áreas) que responderam a
pesquisa afirmaram que a formação e o treinamento deficientes são fatores muito
importantes para entender a dificuldade do trabalho policial. Alfio Bogdan - Físico e Professor
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