No mesmo dia, na véspera de julgar o exercício fiscal de
2014 assinado pela presidente Dilma Rousseff (PT), o Tribunal de Contas da
União abriu as portas a opositores do governo liderados pelo senador e
candidato derrotado na última disputa eleitoral, Aécio Neves (PSDB). O relator
do processo, ministro Augusto Nardes, vem dando declarações públicas
antecipando que irá reprovar as contas do governo e, também, antecipando que o
Tribunal o acompanhará.
Sobre o processo no TSE, dois juristas eminentes divergiram
publicamente, nesta quarta-feira (7). No início da tarde, o portal UOL publicou
em sua home page, lado a lado, duas matérias evidenciando essa divergência:
Primeira matéria: TSE
não tem poder para cassar Dilma, diz jurista Dalmo Dallari
Segunda matéria: TSE
tem competência para anular eleição de Dilma, diz Ives Gandra
O jurista e constitucionalista Dalmo de Abreu Dallari (83),
professor emérito da USP, professor catedrático da Unesco, professor da
Universidade de Paris e que foi professor de três dos atuais ministros do STF
(Lewandowski, Tofolli e Rosa Weber) já vinha se posicionando publicamente,
afirmando que o TSE não tem competência para cassar Dilma. Nesta semana, o
jurista emitiu parecer técnico nesse sentido, demonstrando por que julga que
aquela Corte não pode anular a eleição da presidente da República e seu vice.
Agora, o jurista Ives Gandra Martins (80), professor emérito
da Universidade Mackenzie, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército e
Superior de Guerra e membro da Academia Brasileira de Filosofia, disse em
entrevista ao Broadcast Político (serviço de notícias em tempo real da Agência
Estado) que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem, sim, competência para
anular a eleição da presidente Dilma Rousseff (PT) e de seu vice Michel Temer
(PMDB), caso comprove que sua campanha foi abastecida com verbas vinculadas à
corrupção.
Para o professor do Mackenzie e das escolas militares, se o
TSE não pudesse cassar o mandato da presidente da República, a Corte “não teria
razão de existir”. Gandra, aliás, mandou um recado a Dallari, de que “gosta
muito” de Dallari e que ambos seriam “amigos”, mas que colega estaria “errado”.
Dessa forma, o Blog foi ouvir o que o professor Dallari tem
a dizer sobre a afirmação do colega e, também, sobre o processo contra o
governo Dilma no Tribunal de Contas da União e sobre seu relator, ministro
Augusto Nardes. Confira, abaixo, a entrevista.
***
Blog da Cidadania – Professor Dallari, o portal UOL
publicou, nesta quarta-feira, duas matérias em sua home page. A primeira relata
que o jurista Dalmo Dallari emitiu parecer afirmando que o TSE não tem
competência para cassar mandato de presidentes da República. A matéria contígua
relata que o jurista Ives Gandra Martins acha que o senhor está enganado e que,
se fosse assim, não haveria razão de o TSE existir.
Como o senhor responde a isso?
Dalmo Dallari – Eu tenho muito respeito pelo professor
Ives Gandra, mas, lamentavelmente, devo dizer que, neste caso, ele está
esquecendo alguns preceitos fundamentais da Constituição. Lembro,
especialmente, o que está disposto no artigo 14, parágrafo 10º da Constituição,
que diz expressamente isto:
“O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a justiça
eleitoral no prazo de 15 dias contados da diplomação, instruída a ação com
provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.
Está expresso na Constituição. A competência da Justiça
eleitoral, depois de feita a diplomação, termina 15 dias depois da diplomação.
Depois disso, o cidadão que foi diplomado, está no exercício do mandato, ele
pode ser acionado em outras instâncias, por outros tribunais, mas não pela
Justiça Eleitoral. De maneira que é completamente infundada essa pretensão de
cassar o mandato [de Dilma] por meio da Justiça Eleitoral.
Blog da Cidadania – Sobre o TCU e a provável reprovação
das constas do governo Dilma Rousseff, como o senhor vê a postura do relator do
processo, ministro Augusto Nardes, e a competência da Câmara para instalar um
processo de impeachment com base nessa decisão, tomada dessa forma, sob
suspeições de partidarismo e com um presidente da Casa dos representantes do
povo que tem tantos problemas com a lei?
Dalmo Dallari – Aí eu tenho duas observações a fazer.
Em primeiro lugar, uma que é muito grave. A imprensa noticiou que Aécio Neves e
um grupo de parlamentares de oposição foram ao Tribunal de Contas da União e,
segundo o próprio presidente do PSDB declarou, quando foi descoberta a ida dele
ao TCU para pressionar a Corte a rejeitar as constas do governo e lhe foi
perguntado o que tinha ido fazer lá, ele “Fomos lá para impedir a prática de
ilegalidade”.
Isso é uma acusação tremenda ao Tribunal. Então, se não
houvesse a presença de Aécio Neves e do seu grupo político, o TCU iria agir
ilegalmente? É uma afirmação curiosa, essa. O presidente do PSDB, assim,
desmoraliza o Tribunal. E é surpreendente que o Tribunal não reaja a isso…
Agora, em relação ao Nardes, eu tive oportunidade de
verificar que ele foi acusado da prática de corrupção utilizando as suas
ligações políticas e favorecendo as suas empresas. Na verdade, ele é
proprietário de três empresas e já utilizou ligações políticas para obter
benefícios através dessas empresas. De maneira que o senhor Nardes não é
confiável e politicamente aceitável.
Blog da Cidadania – Doutor Dalmo, o que eu extraí da
entrevista que o senhor me deu no dia 21 de setembro no programa Contraponto,
do Sindicato dos Bancários de São Paulo, foi que o senhor confia que o STF iria
barrar todas essas ilegalidades que, a seu juízo, estariam ocorrendo no TSE e
no TCU. Eu lhe pergunto: no ponto em que estão as coisas, o senhor mantém
aquela confiança demonstrada no programa em questão?
Dalmo Dallari – Eu mantenho, porque as decisões do
Supremo Tribunal Federal têm que ser por maioria e a maioria que há lá, hoje,
não se deixará levar por conveniências políticas, de maneira que eu ainda acho
que o tribunal vai se orientar juridicamente e tenho confiança, especialmente
no presidente do STF, ministro Lewandowski, a quem conheço muito bem [Dallari
foi professor dele] e está conduzindo os trabalhos com muita firmeza e muito
equilíbrio.
Acho que o ministro Lewandowski exercerá grande influência
no julgamento do que está acontecendo no TSE e no TCU para que a maioria dos
ministros se oriente pelo Direito e não por outros fatores como convicções
políticas.
Prof. Alfio Bogdan - Físico e Professor.
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