Juristas preparam ação contra Bolsonaro no Tribunal Penal
Internacional por ecocídio
Um grupo de juristas brasileiros
prepara ação contra Jair Bolsonaro que será apresentada ao Tribunal Penal
Internacional. Advogados argumentam que Bolsonaro cometeu crime contra a
humanidade com seu discurso e políticas ambientais que permitem avanço do
desmatamento na Amazônia.
27 de agosto de
2019, 18:21
Da DW Brasil - Diante
do avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia, um grupo de juristas
brasileiros prepara desde 23 de agosto uma denúncia contra o presidente Jair
Bolsonaro por crime ambiental contra a humanidade, a ser apresentada ao
Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda.
Os juristas argumentam que Bolsonaro
pode ser responsabilizado pelo aumento dos danos na Amazônia em 2019 devido à
demora da resposta contra as queimadas na região e à atual política ambiental
do governo. A ação está sendo articulada por especialistas em direitos humanos,
direito ambiental e internacional.
í"Estudamos o caso e vemos que os danos
ocorridos neste ano na Amazônia podem ser vistos como consequência de
declarações irresponsáveis de Bolsonaro, assim como do desmonte de órgãos
ambientais e das políticas de Estado de proteção a direitos socioambientais", afirma
a jurista Eloísa Machado, que iniciou a articulação da denúncia.
Apesar de o desmatamento e as
queimadas não serem novidade na Amazônia, Machado argumenta que o elemento que
sustenta a abertura da denúncia por ecocídio (destruição em larga escala do
meio ambiente) é a existência de um presidente da República que declaradamente
é contra leis ambientais.
í"Os
ataques de Bolsonaro aos órgãos de pesquisa, aos ambientalistas, às
organizações não governamentais e aos órgãos de fiscalização ambiental se
apresentaram como um salvo conduto para ações criminosas contra o meio ambiente", destaca Machado, que é professora de direito
constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A
jurista menciona como exemplo os ataques do presidente ao Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), depois que o órgão divulgou um aumento de 88% no
desmatamento da Floresta Amazônica em junho em relação ao mesmo mês do ano
passado.
A
crise gerada pela contrariedade do governo com a divulgação dos números acabou
com a demissão do então diretor do instituto, Ricardo Galvão. Mais tarde, o
Inpe divulgou dados ainda mais alarmantes: em julho deste ano, o desmatamento
cresceu 278% em comparação com julho de 2018.
O termo ecocídio foi usado pelo
presidente da França, Emmanuel Macron, para descrever o desmatamento na Região
Amazônica no mesmo dia em que os juristas brasileiros começaram a articular a
denúncia contra Bolsonaro. "Temos
um verdadeiro ecocídio se desenvolvendo na Amazônia, não apenas no Brasil", disse o francês à imprensa local.
Desde meados dos anos 1970, graves
crimes ambientais que colocam em risco a segurança humana têm sido entendidos como ecocídio, um novo tipo de delito. No âmbito do Tribunal Penal
Internacional, o ecocídio
foi reconhecido em 2016 como crime contra a humanidade, mas não foi qualificado como um crime autônomo.
Segundo Machado, ainda não há precedentes desse tipo de ação no TPI.
"Quando fizermos a denúncia,
será um momento histórico, um avanço na proteção de direitos humanos
internacionais e uma oportunidade para estabelecer mais claramente os critérios
através dos quais os graves crimes ambientais possam se caracterizar como
crimes contra a humanidade", afirma Machado.
Como consequência para o Brasil, a
jurista alerta que a denúncia ao TPI poderá ser vista no cenário internacional
como uma comprovação de que o governo Bolsonaro é indiferente e desrespeitoso
com as leis internas e com o direito internacional.
O crime de ecocídio
Em 2016, uma comunidade de juristas
criou o Tribunal Internacional Monsanto para julgar simbolicamente as ações da
multinacional de agrotóxicos contra o meio ambiente. Segundo a advogada francesa Valérie
Cabanes, esse
julgamento concluiu que era necessário
reconhecer e incluir o crime de ecocídio no estatuto do TPI por resultar em
sérios danos ao planeta.
No caso de Bolsonaro, Cabanes – que
coordenou o Tribunal Internacional Monsanto – entende que a postura do
presidente fere tanto os direitos humanos como os ambientais, podendo ser
enquadrada como um caso de ecocídio.
"Permitir a destruição da
Floresta Amazônica tem duplo impacto: local, porque constitui uma violação nos
direitos dos povos indígenas que vivem na floresta e que dela dependem tanto
para seu sustento como para seu bem-estar físico e espiritual; e há o impacto
global, já que a Amazônia fornece oxigênio para o mundo e participa da
regulação da temperatura, influenciando o clima mundial e a circulação das
correntes oceânicas", acrescenta Cabanes, que é especialista em direitos
humanos.
Porém, sem o reconhecimento de
ecocídio como um crime autônomo, Cabanes afirma que Bolsonaro pode ser
investigado por crime contra a humanidade pelo TPI e processado somente
"se houver uma intenção comprovada por parte do indivíduo de destruir
tribos indígenas enquanto grupos étnicos".
Isso acontece porque, de acordo com o
Estatuto do TPI, a qualificação de crime contra a humanidade "exige prova
prévia de que uma população civil é alvo de um ataque sistemático ou
generalizado, lançado conscientemente e em conformidade com a política de um
Estado ou organização", descreve a jurista.
"Impunidade para madeireiros e
fazendeiros"
"Bolsonaro cria deliberadamente
uma situação de impunidade para os madeireiros e fazendeiros, em que estes
podem lucrar com a Amazônia, iniciar incêndios, grilar terras e cometer
assassinatos. Mas é difícil culpar apenas o atual presidente por esse cenário,
pois isso vem acontecendo na Amazônia muitos anos antes de ele ser
eleito", diz Cabanes.
Por isso, assim como Machado, ela
acredita que a novidade na situação está no discurso e na postura do presidente
em relação ao meio ambiente. "Algumas falas de Bolsonaro poderiam ser
qualificadas até como um chamado para um genocídio contra as populações
amazônicas", defende a advogada francesa.
"Do mesmo modo, há episódios
concretos do governo Bolsonaro, como transferir a responsabilidade pela
demarcação e regulação dos territórios indígenas para o Ministério da
Agricultura, que se sabe estar sob a notória influência do agronegócio, assim
como as tentativas de coibir as sanções aplicadas pelo Ibama e, em junho, o
pedido de demissão do diretor do Inpe pelo próprio Bolsonaro depois da
divulgação dos dados sobre as queimadas na Amazônia", exemplifica Cabanes.
Independentemente da inexistência de
uma legislação internacional exclusiva para ecocídio, Cabanes alerta que as
questões ambientais têm se tornado prioridade para o TPI e que a denúncia tem
chances de ser acolhida pelo tribunal.
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