CARTA DE PRINCÍPIOS DO PARTIDO DOS TRABALHADORES
Anterior ao
Manifesto de Fundação do Partido dos Trabalhadores, a Carta de
Princípios foi lançada publicamente no dia 1º de maio de 1979
A
idéia da formação de um partido só dos trabalhadores é tão antiga quanto a
própria classe trabalhadora.
Numa
sociedade como a nossa, baseada na exploração e na desigualdade entre as
classes, os explorados e oprimidos têm permanente necessidade de se manter
organizados à parte, para que lhes seja possível oferecer resistência
séria à desenfreada sede de opressão e de privilégios das classes
dominantes.
Mas
sempre que as lideranças dos trabalhadores e oprimidos se lançam à tarefa de
construir essa organização independente de sua classe, toda sorte de
obstáculos se contrapõe a seus esforços.
Essa situação vivida
milhares de vezes em todos os países do mundo vem acontecendo agora no
Brasil. Começando a sacudir o pesado jugo a que sempre estiveram submetidos, os
trabalhadores de nosso país deram início, em 12 de maio do ano passado (greve
da Scania), a sua luta emancipadora. Desde então, o operariado e os
setores proletarizados de nossa população vêm desenvolvendo uma verdadeira
avalanche pela melhoria de suas condições de vida e de trabalho. A
experiência dessas lutas tem como resultado um visível amadurecimento político
da população trabalhadora e o crescimento, em quantidade e qualidade, de suas
lideranças.
Esse rápido amadurecimento
político pode ser visto claramente no aprimoramento das formas de luta de
que os trabalhadores têm lançado mão. O início das lutas é marcado por um
período de greves brancas nas fábricas. Já os embates mais recentes, dos quais
a greve geral metalúrgica do ABCD é o melhor exemplo, mostram a retomada, em
toda a linha, das formas clássicas de luta: grandiosidade das assembleias
gerais, a ação decisiva dos piquetes e dos fundos de greve.
Os trabalhadores entenderam
ao longo desse ano de lutas que suas reivindicações mais sentidas
esbarravam em obstáculos cada vez maiores, e é por isso, dialeticamente, que
vão sendo obrigados a construir organizações cada vez mais bem articuladas
e eficazes. Diante da força da greve do ABCD, os patrões e o governo
precisaram dar-se as mãos para impedir o fim da política do arrocho
salarial e o fim das estruturas semifascistas que tangem nossos
sindicatos. Os patrões usam de todos os meios a seu alcance para quebrar a unidade
dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que se recusam a reconhecer os
acordos obtidos no período das greves fabris. O governo desencadeia sua
repressão: os sindicatos são invadidos e suas direções destituídas
oficialmente, enquanto nas ruas a polícia persegue os piquetes e tenta
impedir, pela violência, que os trabalhadores consigam local para se
reunir.
Por seu lado, o apoio que os
metalúrgicos conseguem dos demais trabalhadores, embora seja suficiente
para impedir que a repressão se aprofunde e faça produzir um recuo
parcial, carece de maior conseqüência, devido, é claro, não à inexistência
de um espírito de solidariedade, mas sim devido às limitações do movimento
sindical e à inexistência de sua organização política. Tanto isso é verdade que
as lideranças da greve são obrigadas a se escorar no apoio, muitas vezes
duvidoso, de aliados ocasionais, saídos do campo das classes médias e da
própria burguesia.
Não puderam os trabalhadores expressar de modo mais
conseqüente todo o seu apoio aos grevistas do ABCD, e essa impotência
tenderá a continuar enquanto eles mesmos não se organizarem politicamente
em seu próprio partido.
É
por isso que a idéia de um partido dos trabalhadores, ressurgindo no bojo das
greves do ano passado e anunciado na reunião intersindical de Porto
Alegre, em 19 de janeiro de 1979, tende a ganhar, hoje, uma irresistível
popularidade. Porque se trata, hoje, mais do que nunca, de uma necessidade
objetiva para os trabalhadores.
Cientes disso também é que
setores das classes dominantes se apressam a sair a campo com suas
propostas de PTB. Mas essas propostas demagógicas já não conseguem iludir
os trabalhadores, que, nem de longe, se sensibilizaram com elas. Esse fato
comprova que os trabalhadores brasileiros estão cansados das velhas
fórmulas políticas elaboradas para eles. Agora, chegou a vez de o
trabalhador formular e construir ele próprio seu país e seu futuro.
Nós, dirigentes sindicais,
não pretendemos ser donos do PT, mesmo porque acreditamos sinceramente
existir, entre os trabalhadores, militantes de base mais capacitados
e devotados, a quem caberá a tarefa de construir e liderar nosso partido.
Estamos apenas procurando usar nossa autoridade moral e política para
tentar abrir um caminho próprio para o conjunto dos trabalhadores. Temos a
consciência de que, nesse papel, neste
momento, somos insubstituíveis, e somente em vista disso é que nós
reivindicamos o papel de lançadores do PT.
O
povo brasileiro está pobre, doente e nunca chegou a ter acesso às decisões
sobre os rumos do país. E não acreditamos que esse povo venha a conhecer
justiça e democracia sem o concurso decisivo e organizado dos
trabalhadores, que são as verdadeiras classes produtoras do país.
É
por isso que não acreditamos que partidos e governos criados e dirigidos pelos
patrões e pelas elites políticas, ainda que ostentem fachadas democráticas,
possam propiciar acesso às conquistas da civilização e à plena
participação política a nosso povo.
Os males profundos que se abatem sobre a sociedade
brasileira não poderão ser superados senão por uma participação decisiva
dos trabalhadores na vida da Nação. O instrumento capaz de propiciar essa
participação é o Partido dos Trabalhadores. Iniciemos, pois, desde já, a
cumprir esta tarefa histórica, organizando por toda parte os núcleos
elementares desse partido.
A sociedade brasileira vive,
hoje, uma conjuntura política altamente contraditória e, sob muitos
aspectos, decisiva quanto a seu futuro a médio e longo prazos. Vista do
ângulo dos interesses das amplas massas exploradas, desde sempre
marginalizadas material e politicamente em nosso país e principais vítimas
do regime autoritário que vigora desde 1964, a conjuntura revela
tendências extremamente promissoras de um futuro de liberdades e de
conquistas de melhores condições de vida. Dentre as tendências auspiciosas,destaca-se
a emergência de um movimento de trabalhadores que busca afirmar
sua autonomia organizatória e política face ao Estado e às elites
políticas dominantes. Esse é, sem dúvida alguma, o elemento inovador e
mais importante da nova etapa histórica que se inaugura no Brasil, hoje.
Contudo, a par dos dados auspiciosos da conjuntura
política, coexistem também perigosos riscos, que podem levar as lutas
populares a novas e fragorosas derrotas. Aqui, cabe destacar que o
processo chamado de abertura política está sendo promovido pelos
mesmos grupos que sustentaram e defenderam o regime hoje em
crise. Com a evidente exaustão de amplos setores sociais com o regime
vigente no país e com a crise econômica que abalou a estabilidade dos
grupos dominantes que controlam o aparelho de Estado, os detentores do
poder procuram agora, e até este momento com relativo êxito, reformar o
regime de cima para baixo. Vale dizer, pretendem reformar alguns aspectos
do regime, mantendo o controle do Estado, a fim de evitar alterações no
modelo de desenvolvimento econômico, que só a eles interessa e que se
baseia, sobretudo, na superexploração das massas trabalhadoras, através do
modelo econômico do qual sobressai o arrocho salarial.
Já
está demais evidente que o novo governo militar pretende manter a continuidade
dessa mesma política econômica ditada pelo capital financeiro
internacional, agravada agora pelos planos de austeridade e recessão que
já se esboçam. Isso significa que o sofrimento, a miséria material e a
opressão política sobre a população trabalhadora tenderão a se manter
e aprofundar.
O
que significa Estado de Direito com salvaguardas? O que pretendem com anistia
restrita? O que visam com a propalada reforma da CLT [Consolidação das
Leis do Trabalho] e a da Lei de Greve, urdidas secretamente? Qual o
sentido da diminuição das penas previstas na Lei de Segurança Nacional e
da preservação do espírito que informa essa mesma Lei? Esses e tantos
outros fatos indicam que o regime busca reformar-se tentando atrair para
seu campo de apoio setores sociais e segmentos políticos oposicionistas,
com vista a impedir que as massas exploradas explicitem suas
reivindicações econômicas e sociais e, o que é mais importante, sua concepção
de democracia.
Em
poucas palavras, pretendem promover uma conciliação entre os de cima, incluindo
a cúpula do MDB, para impedir a expressão política dos de baixo, as massas
trabalhadoras do campo e da cidade.
2.
Essas afirmações não ignoram o fato de que o MDB foi utilizado pelas massas
para manifestar eleitoralmente seu repúdio ao arbítrio. Tampouco pretendem
ignorar a existência, entre seus quadros, de políticos honestamente
comprometidos com as lutas populares.
Isso,
no entanto, não pode impedir e não nos impede de apontar as limitações que o
MDB – partido de exclusiva atuação parlamentar – impõe às lutas populares
por melhores condições de vida e por um regime democrático de verdadeira
participação popular. O MDB, por sua origem, por sua ineficácia histórica,
pelo caráter de sua direção, por seu programa pró-capitalista, mas
sobretudo por sua composição social essencialmente contraditória, em que
se congregam industriais e operários, fazendeiros e peões, comerciantes e
comerciários, enfim, classes sociais cujos interesses são incompatíveis e
nas quais, logicamente, prevalecem em toda a linha os interesses dos
patrões, jamais poderá ser reformado. A proposta que levantam algumas
lideranças populares de “tomar de assalto” o MDB é muito mais que insensata:
é fruto de uma velha e trágica ilusão quanto ao caráter democrático de
setores de nossas classes dominantes.
Aglomerado de composição
altamente heterogênea e sob controle e direção de elites liberais
conservadoras, o MDB tem-se revelado, num passado recente, um conduto impróprio
para expressão dos reais interesses das massas exploradas brasileiras. Está
na memória dos trabalhadores a conduta vacilante de parcelas
significativas de seus quadros quando da votação da emenda Accioly, da lei
antigreve e de outras medidas de interesse dos trabalhadores.
Apegado
a uma crítica formalista e juridicista do regime autoritário, o MDB
tem-se revelado impermeável aos temas sociais e políticos que tocam, de
fato, nos interesses das massas trabalhadoras.
Amplos
setores das elites políticas e intelectuais das camadas médias da população
têm afirmado que “não soou a hora” de se dividir a oposição articulada no
interior do MDB, afirmando que a democracia não foi ainda conquistada.
Rechaçamos
com veemência tal argumento. Primeiro, porque em momento algum
podemos aceitar a subordinação dos interesses políticos e sociais das
massas trabalhadoras a uma direção liberal conservadora, de extração
privilegiada economicamente. Segundo, porque não podemos aceitar que a
frente das oposições se mantenha à custa do silêncio político da massa
trabalhadora, único e verdadeiro sujeito e agente de uma democracia efetiva.
Tampouco consideramos que a
existência de partidos políticos populares venha a contribuir para romper
uma efetiva frente da luta dos verdadeiros democratas. O PT
considera imprescindível que todos os setores sociais e correntes
políticas interessados na luta pela democratização do país e na luta
contra o domínio do capital monopolista unifiquem sua ação, estabelecendo
frentes interpartidárias que objetivem conquistas comuns imediatas
e envolvam não somente uma ação meramente parlamentar, mas uma verdadeira
atividade política que abranja todos os aspectos da vida nacional.
3. O Partido dos Trabalhadores denuncia o modelo
econômico vigente, que, tendo transformado o caráter das empresas
estatais, construídas pelas lutas populares, utiliza essas empresas e os
recursos do Estado, em geral, como molas mestras da acumulação
capitalista. O Partido dos Trabalhadores defende a volta das empresas
estatais a sua função de atendimento das necessidades populares e o
desligamento das empresas estatais do capital monopolista.
O
Partido dos Trabalhadores entende que a emancipação dos trabalhadores é obra
dos próprios trabalhadores, que sabem que a democracia é participação
organizada e consciente e que, como classe explorada, jamais deverão
esperar da atuação das elites privilegiadas a solução de seus problemas.
O PT entende também que, se
o regime autoritário for substituído por uma democracia formal e parlamentar,
fruto de um acordo entre elites dominantes que exclua a
participação organizada do povo (como se deu entre 1945 e 1964), tal
regime nascerá débil e descomprometido com a resolução dos problemas que
afligem nosso povo e de pronto será derrubado e substituído por novas
formas autoritárias de dominação – tão comuns na
história brasileira. Por isso, o PT proclama que a única força capaz de ser
fiadora de uma democracia efetivamente estável é a das massas exploradas
do campo e das cidades.
O
PT entende, por outro lado, que sua existência responde à necessidade que
os trabalhadores sentem de um partido que se construa intimamente ligado
com o processo de organização popular, nos locais de trabalho e de
moradia. Nesse sentido, o PT proclama que sua participação em eleições e
suas atividades parlamentares se subordinarão a seu objetivo maior, que é
estimular e aprofundar a organização das massas exploradas. O PT não surge
para dividir o movimento sindical, muito ao contrário, surge exatamente para
oferecer aos trabalhadores uma expressão política unitária e independente
na sociedade. E é nessa medida que o PT se tornará, inevitavelmente, um
instrumento decisivo para os trabalhadores na luta efetiva pela liberdade
sindical.
O
PT proclama também que sua luta pela efetiva autonomia e independência
sindical, reivindicação básica dos trabalhadores, é parte integrante da
luta pela independência política desses mesmos trabalhadores. Afirma,
outrossim, que buscará apoderar-se do poder político e implantar o governo
dos trabalhadores, baseado nos órgãos de representação criados pelas
próprias massas trabalhadoras com vista a uma primordial democracia
direta. Ao anunciar que seu objetivo é organizar politicamente os
trabalhadores urbanos e os trabalhadores rurais, o PT se declara aberto à
participação de todas as camadas assalariadas do país.
Repudiando
toda forma de manipulação política das massas exploradas,
incluindo, sobretudo as manipulações próprias do regime pré-64, o PT
recusa-se a aceitar em seu interior, representantes das classes
exploradoras. Vale dizer, o Partido dos Trabalhadores é um partido sem
patrões!
As tentativas de reviver o
velho PTB de Vargas, ainda que, hoje, sejam anunciadas “sem erros do
passado” ou “de baixo para cima”, não passam de propostas de arregimentação
dos trabalhadores para defesa de interesses de setores do empresariado
nacional. Se o empresariado nacional quer construir seu próprio partido
político, apelando para sua própria clientela, nada temos a opor, porém
denunciamos suas tentativas de iludir os trabalhadores brasileiros com
seus rótulos e apelos demagógicos e de querer transformá-los em massa de
manobra para seus objetivos.
O
PT não pretende criar um organismo político qualquer. O Partido dos
Trabalhadores define-se, programaticamente, como um partido que tem como
objetivo acabar com a relação de exploração do homem pelo homem.
O
PT define-se também como partido das massas populares, unindo-se ao lado
dos operários, vanguarda de toda a população explorada, todos os outros
trabalhadores – bancários, professores, funcionários públicos,
comerciários, bóia-frias, profissionais liberais, estudantes etc. – que
lutam por melhores condições de vida, por efetivas liberdades democráticas
e por participação política.
O PT afirma seu compromisso
com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo
sem democracia nem democracia sem socialismo. Um partido que almeja uma
sociedade socialista e democrática tem de ser, ele próprio, democrático
nas relações que se estabelecem em seu interior. Assim, o PT se
constituirá respeitando o direito das minorias de expressar seus pontos de
vista. Respeitará o direito à
fração e às tendências, ressalvando apenas que as inscrições serão individuais.
Como
organização política que visa elevar o grau de mobilização, organização
e consciência de massas, que busca o fortalecimento e a independência
política e ideológica dos setores populares, em especial dos
trabalhadores, o PT irá promover amplo debate de suas teses e propostas de
forma a que se integrem nas discussões:
•
lideranças populares, mesmo que não pertençam ao partido;
•
todos os militantes, trazendo, inclusive, para o interior do debate partidário
proposições de quaisquer setores organizados da sociedade e que se
considerem relevantes com base nos objetivos do PT.
O
PT declara-se comprometido e empenhado na tarefa de colocar os interesses
populares na cena política e de superar a atomização e dispersão das
correntes classistas e dos movimentos sociais. Para esse fim, o Partido
dos Trabalhadores pretende implantar seus núcleos de militantes em todos
os locais de trabalho, em sindicatos, bairros, municípios e regiões.
O
PT manifesta alto e bom som sua intensa solidariedade com todas as massas
oprimidas do mundo.
A
Comissão Nacional Provisória
1º de Maio de 1979
Alfio Bogdan - Físico e Professor - analise de acidentes automobilísticos.
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