sab,
01/03/2014 -
Há dois
tempos na vida de um Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal): o momento
prévio à indicação e o momento depois de indicado.
Antes da
indicação, ele necessita da aprovação do presidente da República. Para
espíritos menores, é o momento da lisonja, das articulações políticas, das
promessas futuras. Para espíritos políticos, a afinidade com o padrinho ou com
o projeto político.
Depois da
indicação, cessa qualquer subordinação ao Executivo. O Ministro torna-se
irremovível e a salvo de qualquer pressão. O único poder capaz de afetá-lo é a
mídia, seja expondo-o a críticas, ao deboche, a denúncias consistentes ou a
escândalos vazios.
Os
espíritos maduros mantêm a altivez; os espíritos menores exorbitam.
***
Poucos têm a solidez
de um Ricardo Lewandowski para remar contra a maré e não se deslumbrar com as
luzes dos holofotes. E nenhum deles foi fruto tão direto da meritocracia quanto
Luís Roberto Barroso.
Em que
pese seu inegável preparo, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence assumiram por
favores explícitos prestados ao governo Sarney e ao polêmico Ministro da
Justiça Saulo Ramos. Marco Aurélio de Mello deve o cargo ao primo Fernando
Collor. Gilmar Mendes foi nomeado por FHC para blindá-lo de qualquer aventura
jurídica futura do STF; Lula nomeou Dias Toffoli com a mesma intenção. Joaquim
Barbosa entrou na cota racial; Ayres Britto fingindo-se petista; e Luiz Fux, à
dupla malandragem, de prometer “quebrar o galho” antes, e de não cumprir com a
palavra depois.
***
Há muitos anos Luís
Roberto Barroso já era unanimidade no meio jurídico.
Sua indicação não foi
um favor da Presidente a ele; foi um favor dele às instituições, especialmente
a uma instituição ameaçada, como o STF.
Com vida tranquila,
titular de uma banca de alto nível, com reconhecimento geral, sendo aceito pelo
meio econômico, social e midiático do Rio, um dos preferidos da Globo, o que
teria a ganhar indo para o STF?
Certamente, não o
prêmio do reconhecimento, que já tinha; ou da popularidade, que não o cativa.
Parece que queria algo mais substantivo.
***
Ao se insurgir contra
o julgamento anterior da AP 470, para o crime de formação de quadrilha,
aparece o objetivo. Barroso tem muito a perder – a simpatia da mídia, a
tranquilidade da unanimidade, a blindagem contra ataques, a exposição pública
(porque televisionada) às baixarias de valentões de bar, como Joaquim Barbosa
ou Gilmar Mendes, até os ataques presenciais, como os que sofreu Lewandowski.
E o que
teria a ganhar expondo as mazelas de seus pares, indagariam os cidadãos (e
Ministros) que enxergam o mundo da planície das vaidades pontuais? Não precisa
do Executivo, não se identifica em nada com o PT, não tem as pretensões
políticas de Joaquim Barbosa, nem as comerciais de Gilmar Mendes, nem quer
entrar no grito na história, como Celso de Mello. Não precisa incorrer no
ridículo permanente de um Ayres Britto para ser aceito pelo establishment: já
faz parte da elite social e jurídica do país.
Seu
único objetivo foi o da restauração da imagem do Supremo – e, a partir dela, do
direito -, afetada pelos exageros de um julgamento que tinha de tudo para ser
exemplar. Como um pedagogo, pregar a lição de que não há politização que
justifique a instrumentalização da justiça, como os atos que cometeram em
co-autoria Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Celso de Mello, Marco
Aurélio de Mello e Ayres Britto.
Em toda minha carreira
jornalística, poucas vezes testemunhei ato tão desprendido e apaixonado de amor
à profissão quanto a atitude de Barroso.
Confirma o que ouvi de
grandes juristas, antes da sua posse: Barroso é uma instituição maior que o
próprio STF de hoje. É um iluminista em uma terra em que a selvageria
insistentemente se sobrepõe à civilização.
PS – Na esteira da rebeldia
legitimadora de Barroso, outro brado, agora de mais um jornalista em defesa dos
fatos: o depoimento do setorista do Estadão no STF, repórter Felipe Recondo,
relatando o que viu e ouviu nos bastidores do julgamento da AP 470, e rompendo
a cortina de silêncio que foi auto-imposta pelos setoristas menos jornalistas,
e impostas aos verdadeiramente jornalistas.
O Estadão
sonegou a informação de seus leitores: ela ficou restrita ao blog do repórter.
Em
sua matéria, mostra que Joaquim Barbosa não acreditava na peça acusatória do
Procurador Geral da República, Roberto Gurgel. Considerava-a inconsistente e
sem provas contra seu principal alvo, José Dirceu. E que o aumento da pena, no
crime de formação de quadrilha, era essencial para completar o jogo.
publicado no jornalggn.com.br
alfio bogdan
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