«A
Ação Penal 470, chamada pela imprensa de julgamento do mensalão, foi tema de um
debate promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) no
Mackenzie de Campinas, na semana passada. Na mesa, entre outros especialistas
da área, estavam os advogados Antonio Cláudio Mariz de Oliveira e Pedro Estevam
Serrano. Dada a qualidade do debate, convido vocês a acompanharem algumas
reflexões levantadas pelos advogados sobre os reflexos do julgamento na sociedade».
«Vamos começar pelas
reflexões de Serrano, professor da PUC-SP, que analisou aspectos cruciais para
o exercício do Direito no Estado democrático, destacando os desafios que a AP
470 traz para os profissionais da área».
Serrano
lembrou que o poder político se realiza regrado e limitado pelo Direito sob o
risco de nos aventurarmos no fascismo ou no absolutismo – sistemas em que o «“poder político
não é limitado
ao Direito”». Para ele, quando os editorais, notícias ou senso comum instigam o
Supremo Tribunal Federal a agir no âmbito do político, está autorizando a Corte
a ser antirrepublicana e antidemocrática.
Segundo
o professor, o Direito sofre hoje dois tipos de predação: uma interna e outra
externa. Externa quando se coloca, por exemplo, a economia, a comunicação
social e a própria política acima do Direito. Serrano explica que «“o sistema
jurídico é regido pela dicotomia do lícito e ilícito; o da comunicação, da
notícia e não-notícia; o da economia do ganho e não-ganho. É a autonomia lógica
de cada sistema que garante o pluralismo”».
"«Em qualquer tribunal deve imperar o lícito e o ilícito, já que a pluralidade
da vida democrática se mantém com a preservação desses subsistemas”». Neste
sentido, o predomínio da lógica midiática sobre a do direito é perigoso e abre
sérios riscos, já que um sujeito pode ser preso por conta de um “clamor publicado”.
Juízes precisam ser heróis para aplicar o Direito
Serrano
pontua que, como em muitos outros casos em que existe esse clamor, o julgamento
acabou sendo um daqueles processos em que o cidadão já entrava ciente da
condenação – e independentemente da realidade
do processo. “Gente é gente, não é cobaia para servir de exemplo”, lembra.
“Um
partido político é julgado nas urnas, não no tribunal. Tratam-se de 30 e poucos
seres humanos, dotados de humanidade e dignidade que têm de ser tratados desta
forma, sob a pena de não realizarmos a Constituição”, complementa o advogado.
Ele pontua que hoje é preciso “exigir dos juízes não que sejam apenas profissionais
do direito, mas que sejam heróis no enfrentamento da mídia”. Serrano lança,
ainda, uma excelente questão: “Qual a tranquilidade nós damos para o Judiciário?”
Já em seu alerta para a comunidade acadêmica, ele propõe que ela olhe o
processo da ação 470 com muita atenção. Citando incoerências, o advogado lembra
que mesmo no Estado democrático de direito, em que está garantido o debate, a
decisão acaba sendo tomada de acordo com a vontade do juiz. “É evidente que o
juiz tem liberdade de ponderar as provas, mas faz parte dos direitos
fundamentais que todos tenhamos uma decisão constitucionalmente adequada e
coerente. Inclusive os réus do mensalão.”
Para
Serrano – e para muitos profissionais da Justiça – esses direitos representam «"conquistas humanas das quais não podemos abrir mão”».
Espetáculo
Antonio Claudio de Mariz de Oliveira, ex-secretário de Segurança Pública de São
Paulo e advogado da ex-vice-presidente do Banco Rural Ayanna Tenório, resume:
“O julgamento da AP 470 recebeu influências externas muito sérias. Não sei em
que medida tais influências tiveram peso no julgamento, mas que tiveram peso eu
não tenho a menor dúvida”. Segundo Mariz, o processo foi transformado em um
espetáculo televisivo, inclusive, com observações paralelas no que tange a
moda, trajar dos advogados, comportamentos e posturas.
“Será
que vale a pena o televisionamento?”,
Questionou ao citar exemplos de outros
países que não permitem sessões televisionadas. Segundo Mariz, processo é
público e isso já garante a transparência. “A meta final de um julgamento é
atingir o direito de liberdade de alguém. O cerceamento deste direito não pode
sofrer influências ou deveria sofrer o menor grau possível.”
“Muitas vezes, o juiz se amedronta na repercussão que trará contra si uma
determinada decisão”, diz o advogado. Ele ressaltou, também, que quase sempre «“a expectativa da sociedade é pela condenação e não pela libertação. Para o
senso comum, há justiça quando ocorre a condenação e não há justiça quando
acontece a absolvição”». Soma-se a isso o fato de a mídia se antecipar e acusar
“antes mesmo do processo ser instaurado”, agindo como uma espécie de
“distribuidora paralela de justiça criminal”.
“A exposição de alguém, um mero suspeito, por meio do televisionamento, é uma
pena cruel. Que atinge não só o suspeito, mas seus familiares para a vida
inteira”, afirmou o advogado. Mariz destacou que a imprensa traz uma oxigenação
importante ao país quando coloca a corrupção, o ilícito praticado, em
evidência. “Mas isso deve ser feito respeitando o direito de defesa, a liberdade
alheia, o princípio acusatório do processo legal devido.”
Em
sua visão, algumas condenações da AP 470 poderiam ser transformadas em absolvições
ou as penas não seriam tão elevadas não fosse o sentimento de júbilo social que
se estabeleceu no país. Ele também apontou os riscos da chamada “verdade sabida”,
aquela que “não é provada”. «“Não posso condenar alguém sem provas nos autos. Há
casos em que a prova é mais difícil do que em outro, mas a subjetividade
torna-se perigosa. Tem de estar nos autos.”»
Fonte: Blog do Zé - 4 DE MARÇO DE 2013
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