quinta-feira, 1 de março de 2018

OBSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA

Desde a efetivação de Michel Temer, as forças liberais e fiscalistas conseguiram fazer com que os três poderes assumissem, sem qualquer cerimônia, a agenda do mercado e numa perspectiva muito preocupante para a democracia. Seria isto uma ação articulada e coordenada ou apenas resultado de guinada à direita ou rumo ao “livre mercado”, que responde ao “humor” presente na sociedade atual? A conferir. O fato é que os temas ou as vozes que possam criar dificuldades ou interromper a trajetória de desmonte do Estado têm sido eliminados do debate ou da possibilidade de deliberação, numa completa negação do direito de participação das pessoas e das instituições. Emprega-se a tática da não-decisão, que consiste em evitar que um potencial candidato possa concorrer ou um tema faça parte da agenda ou seja objeto de deliberação, facilitando a vida de quem eventualmente possa ser contrariado com uma decisão decorrente do sufrá- gio, do debate ou da deliberação. Alguns exemplos ilustram o que se afirma acima. O primeiro exemplo desse tipo de tática – patrocinado pelo Poder Executivo, com a chancela do Legislativo – ocorreu com a aprovação da Emenda Constitucional 95, que impede que o Estado possa gastar além do que gastou no ano anterior, corrigido pelo IPCA, mesmo que seja para salvar vidas. A referência para o gasto deixar de ser a receita e passar a ser o que se gastou no ano anterior. A limitação de gasto, entretanto, não alcança as despesas financeiras. Assim, se a receita aumentar em bilhões de reais, esse aumento só poderá ser utilizado para abater eventuais déficits nas contas públicas ou para pagar juros ou o principal das dívidas internas e externas. O segundo exemplo – operacionalizado pelo Ministério Público e pelo Judiciário, apoiado em delação premiada – diz respeito ao julgamento do ex-presidente Lula, cuja condenação sem provas, poderá impedir sua candidatura à Presidência da República. A exclusão de um dos candidatos, do campo popular, com reais chances de derrotar a agenda neoliberal em curso – feita em nome da moralidade – pode até não ter essa intenção, mas tem o condão de evitar qualquer obstáculo ao desmonte do Estado e facilitar a eleição de algum candidato identificado com o ideário liberal e fiscal de interesse do mercado. O terceiro exemplo – praticado na Câmara dos Deputados – foi o arquivamento, a pedido do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da Reforma Trabalhista, de todos os projetos de lei em tramitação na Câmara que pudessem rever quaisquer dos dispositivos alterados pela Lei 13.467/17, inclusive projetos que vieram do Senado e os que foram apresentados posteriormente à publicação da norma. Entre os projetos que foram arquivados, por exemplo, estão os projetos de lei do senador Paulo Paim (PT-RS) que tratam da estabilidade do dirigente sindical e da regulamentação da contribuição negocial em favor das entidades sindicais, num completo desrespeito à iniciativa legislativa dos parlamentares. Trata-se de uma realidade que, intencionalmente ou não, burla os princípios democráticos, na medida em que impede a real manifestação de vontade dos agentes políticos – eleitores e detentores de mandato – em relação às pessoas e temas. Proibir o direito de participação, de sufrágio e de debate tem nome: é ditadura. Parece que as elites brasileiras continuam com a mesma mentalidade descrita no livro de Gilberto Freyre – “Casa Grande e Senzala” – insensível ao “empoderamento” das minorias, à inclusão social e à proteção dos mais vulneráveis, a quem não apenas negam oportunidades, mas, também, retiram o pouco que, à base de grandes lutas, foi conquistado.
Originariamente publicado, na íntegra, no Diap.
Alfio Bogdan - Físico e Professor

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