Desde a efetivação de Michel Temer,
as forças liberais e fiscalistas
conseguiram fazer com que os
três poderes assumissem, sem qualquer
cerimônia, a agenda do mercado
e numa perspectiva muito preocupante
para a democracia.
Seria isto uma ação articulada e
coordenada ou apenas resultado de
guinada à direita ou rumo ao “livre
mercado”, que responde ao “humor”
presente na sociedade atual? A conferir.
O fato é que os temas ou as vozes
que possam criar dificuldades ou interromper
a trajetória de desmonte do Estado
têm sido eliminados do debate ou
da possibilidade de deliberação, numa
completa negação do direito de participação
das pessoas e das instituições.
Emprega-se a tática da não-decisão,
que consiste em evitar que um potencial
candidato possa concorrer ou um tema
faça parte da agenda ou seja objeto de
deliberação, facilitando a vida de quem
eventualmente possa ser contrariado
com uma decisão decorrente do sufrá-
gio, do debate ou da deliberação.
Alguns exemplos ilustram o que se
afirma acima.
O primeiro exemplo desse tipo de
tática – patrocinado pelo Poder Executivo,
com a chancela do Legislativo
– ocorreu com a aprovação da Emenda
Constitucional 95, que impede que o
Estado possa gastar além do que gastou
no ano anterior, corrigido pelo IPCA,
mesmo que seja para salvar vidas. A
referência para o gasto deixar de ser a
receita e passar a ser o que se gastou
no ano anterior.
A limitação de gasto, entretanto, não
alcança as despesas financeiras. Assim,
se a receita aumentar em bilhões de
reais, esse aumento só poderá ser utilizado
para abater eventuais déficits nas
contas públicas ou para pagar juros ou o
principal das dívidas internas e externas.
O segundo exemplo – operacionalizado
pelo Ministério Público e pelo
Judiciário, apoiado em delação premiada
– diz respeito ao julgamento
do ex-presidente Lula, cuja condenação
sem provas, poderá impedir sua candidatura
à Presidência da República.
A exclusão de um dos candidatos,
do campo popular, com reais chances
de derrotar a agenda neoliberal em
curso – feita em nome da moralidade
– pode até não ter essa intenção,
mas tem o condão de evitar qualquer
obstáculo ao desmonte do Estado e
facilitar a eleição de algum candidato
identificado com o ideário liberal e fiscal
de interesse do mercado.
O terceiro exemplo – praticado na
Câmara dos Deputados – foi o arquivamento,
a pedido do deputado Rogério
Marinho (PSDB-RN), relator da Reforma
Trabalhista, de todos os projetos de lei
em tramitação na Câmara que pudessem
rever quaisquer dos dispositivos
alterados pela Lei 13.467/17, inclusive
projetos que vieram do Senado e os que
foram apresentados posteriormente à
publicação da norma.
Entre os projetos que foram arquivados,
por exemplo, estão os projetos
de lei do senador Paulo Paim (PT-RS)
que tratam da estabilidade do dirigente
sindical e da regulamentação da contribuição
negocial em favor das entidades
sindicais, num completo desrespeito à
iniciativa legislativa dos parlamentares.
Trata-se de uma realidade que,
intencionalmente ou não, burla os
princípios democráticos, na medida
em que impede a real manifestação de
vontade dos agentes políticos – eleitores
e detentores de mandato – em relação
às pessoas e temas. Proibir o direito de
participação, de sufrágio e de debate
tem nome: é ditadura.
Parece que as elites brasileiras
continuam com a mesma mentalidade
descrita no livro de Gilberto Freyre –
“Casa Grande e Senzala” – insensível
ao “empoderamento” das minorias, à
inclusão social e à proteção dos mais
vulneráveis, a quem não apenas negam
oportunidades, mas, também, retiram o
pouco que, à base de grandes lutas, foi
conquistado.
Originariamente publicado, na íntegra, no Diap.
Alfio Bogdan - Físico e Professor
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