Luiz Roberto Benatti & Elko Perissinotti
Zenão de Eléia, apontado por Aristóteles como
o criador da Dialética, pensava por paradoxos, não com o propósito de
desmentir idéias que se veiculavam naqueles dias, mas com a intenção de
mostrar como nelas se embutiam absurdos de toda ordem. Se Zenão e Aristóteles
tivessem conhecido Carlos Drummond de Andrade e o teorema da Incompletude de
Kurt Gödel, saberiam muito mais desses absurdos e de suas respectivas
relatividades, posto que, obrigatoriamente, não há caminho entre as idéias, sem
uma pedra no meio! E ainda: no “final” do caminho, veriam que o mesmo
encontrava-se “incompleto”. Certamente, e ainda no campo do Conhecimento/Dialética,
Zenão e Aristóteles ficariam atarantados ao se defrontar com expressões como:
“a presença da ausência e a ausência da presença”; “o fazer saber e o saber
fazer”; “o penso onde não sou, e sou onde não penso”; “digo sempre a verdade,
porém, não toda…”; “é fundamental repensar-se o pensamento, continuamente”. Mas
ainda naqueles dias tão longínquos de Zenão, ao refletir sobre Zeus como
criador dos mundos, ele afirmou que sua manifestação ou presentificação nas
coisas era comprovada pela forma esférica, porque somente essa era capaz de
abarcar o existente. Nos dias que correm em nosso País, a defesa da forma plana
para o nosso pequeno mundo, feita em nome do anti-agnosticismo , opõe-se ao
pensamento de Zenão, ao afirmar que no achatamento das coisas, portanto numa
certa quadratura, manifesta-se o divino. Com o divino, tudo o que foi dito fica
destruído por uma verdade absoluta, única e, sobretudo, intangível; não há
mais pedra nem caminho entre as idéias (Dialética). Aristóteles
havia nos lembrado que a Dialética era esse caminho entre as idéias e que por
suas veredas alcançaríamos o Conhecimento, que se assenta na contraposição, de
modo tal, que, a uma dada tese, o interlocutor respondesse com sua antítese,
até alcançarmos a síntese, a partir de cujo ponto outras antíteses seriam
lembradas como elemento de contradição. Da Discussão nasce a (sempre
incompleta!) Sabedoria! Dito isso, e lembrados das idéias circulantes na mídia,
nas redes sociais ou nas proposições de governo, teremos de distinguir
contraposição dialética de absurdos ou desarrazoados gritados em favor da
desconstrução do Conhecimento: se a escola é via universal de transmissão de
conhecimento, não podemos desorganizá-la; se a aposentadoria é o coroamento
duma vida dedicada ao trabalho, não deveremos dramatizar (leia-se, ficar
histérico com) o merecido ócio com a expectativa de um dia-a-dia precário. Kant
e Bacon negaram à Dialética a certeza de que ela poderia conduzir-nos ao
conhecimento, ao afirmar que, por sua subjetividade, ela nos levaria de fato a
um tipo de ilusão sobre a vida. Kant, Bacon e Descartes deixaram escapar os
conceitos de Incompletude e da eterna presença de “uma falta”, sempre. Passa a
valer somente o método e não mais o objeto da ciência. Kant teme o Conhecimento
(um saber de si) — temor não sabido. Com Kant já não há mais aquele cosmo
bondoso e harmonioso conjugado à natureza-mãe provedora. Perde-se um
pouco a busca do “para onde vou?!”, substituída por “o quê faço aqui?!”. Além
disso, fica implícito que ninguém é bom porque quer… a autonomia sofre inúmeras
distorções endógenas e exógenas. Como todo grande gênio, o psicanalista francês
Jacques Lacan juntou Kant e Sade, o marquês, em seus estudos (Kant com Sade),
mostrando que o avesso de Kant é nada mais nada menos que o próprio Sade, ou
seja, não há imaculados! Do mesmo modo, Kant era a imagem especular de Lacan;
um espelho (poderia refletir algo semelhante a”O Médico e o Monstro”) trancado
a sete chaves.
Qual é, enfim, o perigo do
Conhecimento? O que este esconde de tão “ruim” para o ser humano? Resposta: o
horror. Algo eternamente misterioso, não sabido, incompleto, sempre com a
presença terrível de uma falta. Anulando-se magicamente tudo isso (a
ultra-extrema-direita é perfeita nessa arte), resta o Divino com a nossa forte
presença de “Tementes a Deus”, e não a de “Amigos de Deus” e, assim, a presença
do desconhecido perigo mortal: a dispensa do sofrimento de se pensar o
pensamento.
Alfio Bogdan - Físico e Professor
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