Em 1868, tentou-se destituir via impeachment o
presidente Andrew Johnson dos EUA, por dois motivos: um ostensivo e outro,
oculto.
O motivo ostensivo era de uma frivolidade
atroz: a exoneração de um ministro de Estado sem autorização do Senado.
Johnson
se salvou por um voto, mas a instituição da Presidência saiu mortalmente ferida
do episódio. Levou décadas para se recuperar.
Notem
algo importante: os EUA em 1868 ainda eram um "anão político" na cena
internacional! Longe de ter o poder e a influência que tem hoje.
Pois
bem. Reflitamos um pouquinho sobre a nossa realidade em 2016.
Provincianos
em sua maioria, loucos para assumir as rédeas do poder, nossos líderes não têm
dado bola à dimensão internacional da questão.
É
que o Brasil de 2016 tem muito mais importância no plano internacional do que
tinham os EUA em 1868!
Nós
temos a mais sólida e estável democracia da América Latina; entre os chamados
países emergentes, nada há de comparável ao que temos aqui
Temos
um poder Judiciário robusto e independente, coisa rara entre os membros do
grupo de países que citei acima.
A
decisão de hoje do ministro Teori aí está como uma bela demonstração.
“O
presidente, vice-presidente e todos os oficiais civis dos Estados Unidos devem
ser removidos do dever por impeachment, caso sejam culpados de traição, suborno
ou outros crimes graves e infrações”. O trecho, em tradução livre, trouxe para
a Constituição americana, em 1787, o conceito criado na Inglaterra do final da
Idade Média, mas adaptado ao sistema republicano e federativo do país. Desde
então, os EUA concluíram dois processos presidenciais de impedimento: contra
Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1999. Em ambos os casos, os
governantes estavam envolvidos em polêmicas no âmbito pessoal e foram
absolvidos.
O
primeiro impeachment da História aconteceu em 1376, durante um processo
judicial que durou quatro meses. Como os monarcas ingleses eram inatingíveis
pela lei, o objetivo do recurso era enfraquecê-lo de outra maneira,
responsabilizando os oficiais próximos a eles. No caso, os alvos foram William
Latimer e Richard Lyons, ambos secretários de alto escalão do rei Edward III, e
culpados pelo Parlamento por uma taxação que coletava fundos para a Guerra dos
Cem Anos. De acordo com a corte, já havia recursos demais para esse fim. Foi
atingida, ainda, uma amante do rei, Alice Perrers, sendo expulsa das
dependências reais.
Nos
Estados Unidos, Andrew Johnson era vice do republicano Abraham Lincoln, tendo
assumido o seu lugar quando este foi assassinado, em 1865, como lembrou
reportagem do GLOBO de 20 de dezembro de 1998, durante o processo contra
Clinton. A acusação de que o próprio Johnson estava por trás do crime foi uma
das cartadas dos republicanos radicais, que dominavam o Congresso e eram
contrariados repetidamente pelo substituto. Johnson rompeu ligações com o partido
ao assumir o cargo, devido principalmente a divergências quanto a como tratar
os estados do Sul, derrotados na Guerra de Secessão. Os radicais queriam a
ocupação militar da área, além de leis que modificassem a vida social e
econômica dos sulistas, incluindo direito de voto para escravos libertos.
Apesar
de estar envolvido em um escândalo íntimo — uma mulher chamada Jenny Perry o
chantageou por ser o suposto pai de seu filho ilegítimo — e também de ter
aparecido com sinais de embriaguez em seu discurso de posse como
vice-presidente, estas não foram as bases legais para o processo. Os
republicanos já haviam tentado aprovar uma intervenção judicial para destituir
o chefe de Estado duas vezes, mas quando Johnson demitiu Edwin Stanton,
secretário de Guerra e aliado do partido, eles o acusaram de violar o Ato de
Mandato, uma lei que impedia que o presidente demitisse qualquer funcionário
nomeado por conselho e autorização do Congresso. A medida havia sido aprovada
no ano anterior, com o veto de Johnson, e foi considerada inconstitucional pelo
presidente Grover Cleveland, em 1887.
Para
que o impeachment fosse consolidado, era necessária a aprovação de dois terços
do Senado. Depois de 37 dias de discursos e depoimentos, um voto fez a
diferença para que o processo tivesse resultado favorável a Johnson: o jovem
radical republicano Edmund G. Ross declarou-se indeciso. Para reconquistar o
apelo popular, o presidente fez uma série de discursos no país, mas não obteve
sucesso: em Indianópolis, uma multidão até mandou o presidente calar a boca.
Bill
Clinton, que governou os EUA entre 1993 e 2001, também procurou a população
para explicar-se. Em janeiro de 1998, ele foi à rede nacional de TV para
assegurar aos cidadãos americanos que as acusações sobre o seu envolvimento com
uma ex-estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky, eram falsas. “Eu quero que
vocês me escutem. Eu não tive relações sexuais com aquela mulher”, afirmou. No
entanto, em 17 de agosto do mesmo ano, ele voltou à TV para confessar o caso.
“De fato, eu tive um relacionamento com a Srta. Lewinsky que não foi
apropriado. Na verdade, foi errado”, corrigiu. Finalmente, em fevereiro de
1999, após saber que o Senado o absolvera, pediu desculpas ao país.
Neste
caso, a mentira consciente foi a base do pedido de afastamento, em um
desdobramento do escândalo que mobilizou o país por mais de um ano. A história
veio a público quando Monica foi chamada para depor contra Clinton por Paula
Jones, uma funcionária do Arkansas, que o processava por assédio sexual. Apesar
de, a princípio, negar sob juramento ter se envolvido com o presidente, uma
fita gravada por uma colega de trabalho provava com detalhes a relação dos
dois.
Com
11 acusações, a Câmara dos Representantes aprovou dois artigos de destituição
contra Clinton, por perjúrio e obstrução de Justiça. De acordo com pesquisa de
opinião realizada pela rede de TV NBC, a popularidade do líder cresceu ao longo
do processo, tendo chegado a 72%. Após 37 dias de julgamento, o Senado decidiu,
no dia 12 de fevereiro de 1999, pela sua absolvição. Alguns senadores
republicanos, da frente de oposição ao democrata, não votaram pelo impeachment.
Nas mesmas circunstâncias que Johnson, o processo dependia de dois terços dos
votantes para ser aprovado. Quanto ao primeiro crime pelo qual poderia ser
removido da Presidência, perjúrio, Clinton foi declarado não culpado, por 55
votos contra 45. Na acusação de obstrução de Justiça houve um empate: 50 a 50.
Antes
de Johnson, oficiais federais e estaduais americanos já haviam sido alvos de
processos de impeachment. O primeiro a ser removido foi o juiz da Corte de New
Hampshire, John Pickering, em 1804, sob acusações de instabilidade mental e
intoxicação enquanto estava no cargo. Entre outros motivos que levaram à
retirada de funcionários públicos, corrupção e abuso de poder são causas
recorrentes. No âmbito presidencial, Richard Nixon, governante entre 1969 e
1974, teria sido mais um na lista, mas renunciou ao cargo antes que a Câmara
votasse a sua destituição, após a deflagração do caso Watergate.
Alfio Bogdan - Físico e Professor
Clarissa
Stycer / Matilde Silveira
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