quinta-feira, 5 de maio de 2016

Breve história do impeachment (impedimento)

Em 1868, tentou-se destituir via impeachment o presidente Andrew Johnson dos EUA, por dois motivos: um ostensivo e outro, oculto.
O motivo ostensivo era de uma frivolidade atroz: a exoneração de um ministro de Estado sem autorização do Senado.
Johnson se salvou por um voto, mas a instituição da Presidência saiu mortalmente ferida do episódio. Levou décadas para se recuperar.
Notem algo importante: os EUA em 1868 ainda eram um "anão político" na cena internacional! Longe de ter o poder e a influência que tem hoje.
Pois bem. Reflitamos um pouquinho sobre a nossa realidade em 2016.
Provincianos em sua maioria, loucos para assumir as rédeas do poder, nossos líderes não têm dado bola à dimensão internacional da questão.
É que o Brasil de 2016 tem muito mais importância no plano internacional do que tinham os EUA em 1868!
Nós temos a mais sólida e estável democracia da América Latina; entre os chamados países emergentes, nada há de comparável ao que temos aqui
Temos um poder Judiciário robusto e independente, coisa rara entre os membros do grupo de países que citei acima.
A decisão de hoje do ministro Teori aí está como uma bela demonstração.
“O presidente, vice-presidente e todos os oficiais civis dos Estados Unidos devem ser removidos do dever por impeachment, caso sejam culpados de traição, suborno ou outros crimes graves e infrações”. O trecho, em tradução livre, trouxe para a Constituição americana, em 1787, o conceito criado na Inglaterra do final da Idade Média, mas adaptado ao sistema republicano e federativo do país. Desde então, os EUA concluíram dois processos presidenciais de impedimento: contra Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1999. Em ambos os casos, os governantes estavam envolvidos em polêmicas no âmbito pessoal e foram absolvidos.
O primeiro impeachment da História aconteceu em 1376, durante um processo judicial que durou quatro meses. Como os monarcas ingleses eram inatingíveis pela lei, o objetivo do recurso era enfraquecê-lo de outra maneira, responsabilizando os oficiais próximos a eles. No caso, os alvos foram William Latimer e Richard Lyons, ambos secretários de alto escalão do rei Edward III, e culpados pelo Parlamento por uma taxação que coletava fundos para a Guerra dos Cem Anos. De acordo com a corte, já havia recursos demais para esse fim. Foi atingida, ainda, uma amante do rei, Alice Perrers, sendo expulsa das dependências reais.
Nos Estados Unidos, Andrew Johnson era vice do republicano Abraham Lincoln, tendo assumido o seu lugar quando este foi assassinado, em 1865, como lembrou reportagem do GLOBO de 20 de dezembro de 1998, durante o processo contra Clinton. A acusação de que o próprio Johnson estava por trás do crime foi uma das cartadas dos republicanos radicais, que dominavam o Congresso e eram contrariados repetidamente pelo substituto. Johnson rompeu ligações com o partido ao assumir o cargo, devido principalmente a divergências quanto a como tratar os estados do Sul, derrotados na Guerra de Secessão. Os radicais queriam a ocupação militar da área, além de leis que modificassem a vida social e econômica dos sulistas, incluindo direito de voto para escravos libertos.
Apesar de estar envolvido em um escândalo íntimo — uma mulher chamada Jenny Perry o chantageou por ser o suposto pai de seu filho ilegítimo — e também de ter aparecido com sinais de embriaguez em seu discurso de posse como vice-presidente, estas não foram as bases legais para o processo. Os republicanos já haviam tentado aprovar uma intervenção judicial para destituir o chefe de Estado duas vezes, mas quando Johnson demitiu Edwin Stanton, secretário de Guerra e aliado do partido, eles o acusaram de violar o Ato de Mandato, uma lei que impedia que o presidente demitisse qualquer funcionário nomeado por conselho e autorização do Congresso. A medida havia sido aprovada no ano anterior, com o veto de Johnson, e foi considerada inconstitucional pelo presidente Grover Cleveland, em 1887.
Para que o impeachment fosse consolidado, era necessária a aprovação de dois terços do Senado. Depois de 37 dias de discursos e depoimentos, um voto fez a diferença para que o processo tivesse resultado favorável a Johnson: o jovem radical republicano Edmund G. Ross declarou-se indeciso. Para reconquistar o apelo popular, o presidente fez uma série de discursos no país, mas não obteve sucesso: em Indianópolis, uma multidão até mandou o presidente calar a boca.
Bill Clinton, que governou os EUA entre 1993 e 2001, também procurou a população para explicar-se. Em janeiro de 1998, ele foi à rede nacional de TV para assegurar aos cidadãos americanos que as acusações sobre o seu envolvimento com uma ex-estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky, eram falsas. “Eu quero que vocês me escutem. Eu não tive relações sexuais com aquela mulher”, afirmou. No entanto, em 17 de agosto do mesmo ano, ele voltou à TV para confessar o caso. “De fato, eu tive um relacionamento com a Srta. Lewinsky que não foi apropriado. Na verdade, foi errado”, corrigiu. Finalmente, em fevereiro de 1999, após saber que o Senado o absolvera, pediu desculpas ao país.
Neste caso, a mentira consciente foi a base do pedido de afastamento, em um desdobramento do escândalo que mobilizou o país por mais de um ano. A história veio a público quando Monica foi chamada para depor contra Clinton por Paula Jones, uma funcionária do Arkansas, que o processava por assédio sexual. Apesar de, a princípio, negar sob juramento ter se envolvido com o presidente, uma fita gravada por uma colega de trabalho provava com detalhes a relação dos dois.
Com 11 acusações, a Câmara dos Representantes aprovou dois artigos de destituição contra Clinton, por perjúrio e obstrução de Justiça. De acordo com pesquisa de opinião realizada pela rede de TV NBC, a popularidade do líder cresceu ao longo do processo, tendo chegado a 72%. Após 37 dias de julgamento, o Senado decidiu, no dia 12 de fevereiro de 1999, pela sua absolvição. Alguns senadores republicanos, da frente de oposição ao democrata, não votaram pelo impeachment. Nas mesmas circunstâncias que Johnson, o processo dependia de dois terços dos votantes para ser aprovado. Quanto ao primeiro crime pelo qual poderia ser removido da Presidência, perjúrio, Clinton foi declarado não culpado, por 55 votos contra 45. Na acusação de obstrução de Justiça houve um empate: 50 a 50.
Antes de Johnson, oficiais federais e estaduais americanos já haviam sido alvos de processos de impeachment. O primeiro a ser removido foi o juiz da Corte de New Hampshire, John Pickering, em 1804, sob acusações de instabilidade mental e intoxicação enquanto estava no cargo. Entre outros motivos que levaram à retirada de funcionários públicos, corrupção e abuso de poder são causas recorrentes. No âmbito presidencial, Richard Nixon, governante entre 1969 e 1974, teria sido mais um na lista, mas renunciou ao cargo antes que a Câmara votasse a sua destituição, após a deflagração do caso Watergate.
Alfio Bogdan - Físico e Professor

Clarissa Stycer / Matilde Silveira

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