sexta-feira, 13 de maio de 2016

Em carta a Temer, artistas reagem ao fim do Ministério da Cultura

Leia a seguir a carta na íntegra:
“Exmo. Sr. Michel Temer
Prezado senhor,
Entre as grandes conquistas da identidade democrática Brasileira está a criação do Ministério da Cultura, em março de 1985, pelo então Presidente José Sarney.
É inegável que, nessa ocasião, o nome do Brasil já havia sido projetado internacionalmente através do talento de Portinari, de Oscar Niemeyer, de Anita Malfati, de Jorge Amado, da música de Ary BarrosoDorival CaymmiCarmen MirandaTom Jobim e Vinicius de Moraes, do cinema de Glauber Rocha e Cacá Diegues. Desta forma, a existência do Ministério da Cultura se deve ao merecido reconhecimento do extraordinário papel que as artes brasileiras desempenharam na divulgação de um país jovem, dinâmico, acolhedor e criativo.
A extinção desse Ministério em abril de 1990 foi um dos primeiros atos do governo Collor de Mello. Abrigada em uma Secretaria vinculada à Presidência da República, a cultura nacional assistiu ao sucateamento de ideias, projetos e realizações no campo das artes. Já no final de seu governo, tentando reconquistar o apoio político perdido, o Presidente Collor adotou outra postura, nomeando para a Secretaria de Cultura o intelectual e embaixador Sergio Paulo Rouanet, encarregado de restabelecer o diálogo com a classe artística. Nasceu assim o Pronac – Programa Nacional de Apoio à Cultura, que se tornou o elemento estruturante da política cultural dos governos subsequentes, e a denominada Lei Rouanet. Felizmente o Presidente Itamar Franco, em novembro de 1992, devolveu aos criadores um Ministério que já havia comprovado o acerto de sua presença no cenário nacional.
A partir de 1999, durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Ministério da Cultura foi reorganizado e sua estrutura ampliada, para que pudesse servir a projetos importantes, em especial nas áreas de teatro e cinema. Desde então o MinC vem se ocupando, de forma proativa, das artes em geral, do folclore, do patrimônio histórico, arqueológico, artístico e cultural do País, através de uma rede de institutos como o IPHAN, a Cinemateca Brasileira, a Funarte, o IBRAM, Fundação Palmares entre muitos outros.
A partir da gestão de Gilberto Gil, o MinC ampliou o alcance de sua atuação a partir da adoção do conceito antropológico de cultura. O Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura são iniciativas reconhecidas e copiadas em inúmeros países do mundo. O MinC passou a atuar também com a cultura popular e de grupos marginalizados, ampliando os horizontes de uma parcela expressiva de nossa população. Foi o MinC que conseguiu criar condições para que tenhamos hoje uma indústria do audiovisual dinâmica e superavitária. O mesmo está sendo feito agora com outros campos, como por exemplo o da música.
O MinC conta hoje com vários colegiados setoriais que cobrem praticamente quase todas as áreas artísticas bem como grupos étnicos e minorias culturais do país. E com um Conselho Nacional de Políticas Culturais, formado pela sociedade civil e responsável pelo controle social da gestão do Ministério. Há ainda que se mencionar o Plano Nacional de Cultura e inúmeras outras iniciativas com amparo no texto constitucional e em leis aprovadas pelo Congresso Nacional, cuja inobservância ou descontinuidade poderão ensejar questionamentos na esfera judicial.
O MinC também protagonizou várias iniciativas que se tornaram referência no ordenamento jurídico internacional, como as Convenções da Unesco sobre Diversidade Cultural e de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, dentre outros.
A Cultura de um País, além de sua identidade, é a sua alma. O Ministério da Cultura não é um balcão de negócios. As críticas irresponsáveis feitas à Lei Rouanet não levam em consideração que, com os mecanismos por ela criados, as artes regionais floresceram e conquistaram espaços a que antes não tinham acesso.
A Cultura é a criação do futuro e a preservação do passado. Sem a promoção e a proteção da nossa Cultura, através de um ministério que com ela se identifique e a ela se dedique, o Brasil fechará as cortinas de um grandioso palco aberto para o mundo. Se o MinC perde seu status e fica submetido a um ministério que tem outra centralidade, que, aliás, não é fácil de ser atendida, corre-se o risco de jogar fora toda uma expertise que se desenvolveu nele a respeito de, entre outras coisas, regulação de direito autoral, legislação sobre vários aspectos da internet (com o reconhecimento e o respeito de organismos internacionais especializados), proteção de patrimônio e apoio às manifestações populares.
É por tudo isso que o anunciado desaparecimento do Ministério da Cultura sob seu comando, já como Chefe da Nação, é considerado pela classe artística como um grande retrocesso. O Ministério da Cultura é o principal meio pelo qual se pode desenvolver uma situação de tolerância e de respeito às diferenças, algo fundamental para o momento que o país atravessa.
A economia que supostamente se conseguiria extinguindo a estrutura do Ministério da Cultura, ou encolhendo-o a uma secretaria do MEC é pífia e não justifica o enorme prejuízo que causará para todos que são atendidos no país pelas políticas culturais do Ministério. Além disso, mediante políticas adequadas, a cultura brasileira está destinada a ser uma fonte permanente de desenvolvimento e de riquezas econômicas para o País.
Nós, que fazemos da nossa a alma desse País, desejamos que o Brasil saiba redimensionar sua imensa capacidade de gerar recursos para educação, saúde, segurança e para todos os projetos sociais e econômicos necessários ao crescimento da nação sem que se sacrifique um dos seus maiores patrimônios: a nossa Cultura.
Em representação da Associação Procure Saber e do GAP–Grupo de Ação Parlamentar Pró- Música.”
Alfio Bogdan - Físico e Professor 

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