O 247 nos presenteou com esta primazia de esclarecimento.
Meu caro colega Deltan
Dallagnol,
"Denn nichts ist
schwerer und nichts erfordert mehr Charakter, als sich in offenem Gegensatz zu
seiner Zeit zu befinden und laut zu sagen: Nein."
(Porque nada é mais difícil e
nada exige mais caráter que se encontrar em aberta oposição a seu tempo e dizer
em alto e bom som: Não!)
Kurt Tucholsky
Acabo de ler por blogs de
gente séria que você estaria a chamar atenção, no seu perfil de Facebook, de
quem "veste a camisa do complexo de vira-lata", de que seria
"possível um Brasil diferente" e de que a hora seria agora. Achei
oportuno escrever-lhe está carta pública, para que nossa sociedade saiba que,
no ministério público, há quem não bata palmas para suas exibições de falta de
modéstia.
Vamos falar primeiro do
complexo de vira-lata. Acredito que você e sua turma são talvez os que têm
menos autoridade para falar disso, pois seus pronunciamentos têm sido a prova
mais cabal de SEU complexo de vira-lata. Ainda me lembro daquela pitoresca
comparação entre a colonização americana e a lusitana em nossas terras,
atribuindo à última todos os males da baixa cultura de governação brasileira,
enquanto o puritanismo lá no norte seria a razão de seu progresso. Talvez você
devesse estudar um pouco mais de história, para depreciar menos este País. E
olha que quem cresceu nas "Oropas" e lá foi educado desde menino fui
eu, hein... talvez por isso não falo essa barbaridade, porque tenho consciência
de que aquele pedaço de terra, assim como a de seu querido irmão do norte,
foram os mais banhados por sangue humano ao longo da passagem de nossa espécie
por este planeta. Não somos, os brasileiros, tão maus assim, na pior das
hipóteses somos iguais, alguns somos descendentes dos algozes e a maioria somos
descendentes das vítimas.
Mas essa sua teorização de
baixo calão não diz tudo sobre SEU complexo. Você à frente de sua turma vão
entrar na história como quem contribuiu decisivamente para o atraso econômico e
político que fatalmente se abaterão sobre nós. E sabem por que? Porque são ignorantes
e não conseguem enxergar que o princípio fiat iustitia et pereat mundus nunca
foi aceita por sociedade sadia qualquer neste mundão de Deus. Summum jus, summa
iniuria, já diziam os romanos: querer impor sua concepção pessoal de justiça a
ferro e fogo leva fatalmente à destruição, à comoção e à própria injustiça.
E o que vocês conseguiram de
útil neste País para acharem que podem inaugurar um "outro Brasil",
que seja, quiçá, melhor do que o vivíamos? Vocês conseguiram agradar ao irmão
do norte que faturará bilhões de nossa combalida economia e conseguiram tirar
do mercado global altamente competitivo da construção civil de grandes obras de
infraestrutura as empresas nacionais. Tio Sam agradece. E vocês, Narcisos, se
acham lindinhos por causa disso, né? Vangloriam-se de terem trazido de volta
míseros dois bilhões em recursos supostamente desviados por práticas empresariais
e políticas corruptas. E qual o estrago que provocaram para lograr essa casquinha?
Por baixo, um prejuízo de 100 bilhões e mais de um milhão de empregos riscados
do mapa. Afundaram nosso esforço de propiciar conteúdo tecnológico nacional na
extração petrolífera, derreteram a recém reconstruída indústria naval
brasileira. Claro, não são seus empregos que correm riscos. Nós ganhamos muito
bem no ministério público, temos auxílio-alimentação de quase mil reais,
auxilio-creche com valor perto disso, um ilegal auxílio-moradia tolerado pela
morosidade do judiciário que vocês tanto criticam. Temos um fantástico plano de
saúde e nossos filhos podem frequentar a liga das melhores escolas do País.
Não
precisamos de SUS, não precisamos de Pronatec, não precisamos de cota nas
universidades, não precisamos de bolsa-família e não precisamos de Minha Casa
Minha Vida. Vivemos numa redoma de bem estar. Por isso, talvez, à falta de
consciência histórica, a ideologia de classe devora sua autocrítica. E você e
sua turma não acham nada de mais milhões de famílias não conseguirem mais pagar
suas contas no fim do mês, porque suas mães e seus pais ficaram desempregados e
perderam a perspectiva de se reinserirem no mercado num futuro próximo. Mas
você achou fantástico o acordo com os governos dos EEUU e da Suíça, que permitiu-lhes,
na contramão da prática diplomática brasileira, se beneficiarem indiretamente
com um asset sharing sobre produto de corrupção de funcionários brasileiros e
estrangeiros. Fecharam esse acordo sem qualquer participação da União, que é
quem, em última análise, paga a conta de seu pretenso heroísmo global e
repassaram recursos nacionais sem autorização do Senado. Bonito, hein?
Mas,
claro, na visão umbilical corporativista de vocês, o ministério público pode
tudo e não precisa se preocupar com esses detalhes burocráticos que só atrasam
nosso salamaleque para o irmão do norte! E depois fala de complexo de vira-lata
dos outros!
O problema da soberba,
colega, é que ela cega e torna o soberbo incapaz de empatia, mas, como neste
mundo vale a lei do retorno, o soberbo também não recebe empatia, pois seu
semblante fica opaco, incapaz de se conectar com o outro.
A operação de entrega de
ativos nacionais ao estrangeiro, além de beirar alta traição, esculhambou o
Brasil como nação de respeito entre seus pares. Ficamos a anos-luz de distância
da admiração que tínhamos mundo afora. E vocês o fizeram atropelando a constituição,
que prevê que compete à Presidenta da República manter relações com estados
estrangeiros e não ao musculoso ministério público. Daqui a pouco vocês vão
querer até ter representação diplomática nas capitais do circuito Elizabeth
Arden, não é?
Ainda quanto a um Brasil
diferente, devo-lhes lembrar que "diferente" nem sempre é melhor e
que esse servicinho de vocês foi responsável por derrubar uma Presidenta
constitucional honesta e colocar em seu lugar uma turba envolvida nas
negociatas que vocês apregoam mídia afora. Esse é o Brasil diferente? De fato
é: um Brasil que passou a desrespeitar as escolhas políticas de seus vizinhos e
a cultivar uma diplomacia da nulidade, pois não goza de qualquer respeito no
mundo. Vocês ajudaram a sujar o nome do País. Vocês ajudaram a deteriorar a
qualidade da governação, a destruição das políticas inclusivas e o desenvolvimento
sustentável pela expansão de nossa infraestrutura com tecnologia própria.
E isso tudo em nome de um
"combate" obsessivo à corrupção. Assunto do qual vocês parecem não
entender bulhufas! Criaram, isto sim, uma cortina de fumaça sobre o verdadeiro
problema deste Pais, que é a profunda desigualdade social e econômica. Não é a
corrupção. Esta é mero corolário da desigualdade, que produz gente que nem
vocês, cheios de "selfrightousness", de pretensão de serem justos e
infalíveis, donos da verdade e do bem estar. Gente que pode se dar ao luxo de
atropelar as leis sem consequência nenhuma. Pelo contrário, ainda são
aplaudidos como justiceiros.
Com essa agenda menor da
corrupção vocês ajudaram a dividir o País, entre os homens de bem e os safados,
porque vocês não se limitam a julgar condutas como lhes compete, mas a julgar
pessoas, quando estão longe de serem melhores do que elas. Vocês não têm capacidade
de ver o quanto seu corporativismo é parte dessa corrupção, porque funciona sob
a mesma gramática do patrimonialismo: vocês querem um naco do estado só para chamar
de seu. Ninguém os controla de verdade e vocês acham que não devem satisfação a
ninguém. E tudo isso lhes propicia um ganho material incrível, a capacidade de
estarem no topo da cadeia alimentar do serviço público. Vamos falar de nós, os
procuradores da república, antes de querer olhar para a cauda alheia.
Por fim, só quero pontuar que
a corrupção não se elimina. Ela é da natureza perversa de uma sociedade em que
a competição se faz pelo fator custo-benefício, no sentindo mais xucro. A
corrupção se controla. Controla-se para não tornar o estado e a economia disfuncionais.
Mas esse controle não se faz com expiação de pecados. Não se faz com discursinho
falso-moralista. Não se faz com o homilias em igrejas. Se faz com reforma
administrativa e reforma política, para atacar a causa do fenômeno é não sua
periferia aparente. Vocês estão fazendo populismo, ao disseminarem a ideia de
que há o "nós o povo" de honestos brasileiros, dispostos a enfrentar
o monstro da corrupção feito São Jorge que enfrentou o dragão. Você e eu sabemos
que não existe isso e que não existe com sua artificial iniciativa popular das
"10 medidas" solução viável para o problema. Esta passa pela revisão
dos processos decisórios e de controle na cadeia de comando administrativa e
pela reestruturação de nosso sistema político calcado em partidos que não merecem
esse nome. Mas isso tudo talvez seja muito complicado para você e sua turma
compreenderem.
Só um conselho, colega: baixe
a bola. Pare de perseguir o Lula e fazer teatro com PowerPoint. Faça seu
trabalho em silêncio, investigue quem tiver que investigar sem alarde, respeite
a presunção de inocência, cumpra seu papel de fiscal da lei e não mexa nesse
vespeiro da demagogia, pois você vai acabar ferroado. Aos poucos, como sempre,
as máscaras caem e, ao final, se saberá que são os que gostam do Brasil e os
que apenas dele se servem para ficarem bonitos na fita! Esses, sim, costumam
padecer do complexo de vira-lata!
Um forte abraço de seu colega
mais velho e com cabeça dura, que não se deixa levar por essa onda de
"combate" à corrupção sem regras de engajamento e sem respeito aos costumes
da guerra.
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