quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

No presidio havia uma bomba, havia uma bomba no presídio

Massacre de Manaus: O país armou a bomba

Por Leonardo Sakamoto, no blog de Altamiro Borges:

O massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, no Amazonas, choca. Mas não deveria.
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Não, não estou defendendo o discurso idiotizante do ''bandido bom é bandido morto''.
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Mas lembrando que o sistema prisional brasileiro é uma bomba armada que, só por um milagre, não explode.
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Apenas solta faíscas, como os 111 mortos no Carandiru, os decapitados de Pedrinhas, os 56 do Anísio Jobim.

Se explodisse mesmo, o sentimento de proteção entregue por muros altos, cercas eletrificadas, circuitos fechados de TV e seguranças particulares, de repente, pareceria o que realmente é: uma ficção do autoengano.
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O Estado, que se gaba de controlar moleque armado com Pinho Sol em manifestação, não é capaz de acabar com facções criminosas ou milícias de policiais, que surgem de mutações do próprio Estado.
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Até porque isso passaria por mudanças estruturais no sistema prisional e na Justiça, mas também pela descriminalização de drogas como a maconha – responsável pelo encarceramento de muita gente. Que entra como vendedor iniciante de droga e sai como doutor em crimes contra a vida.
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Toda a expansão de mercado é conflituosa. Se a concorrência é agressiva e chega a tal ponto que a convivência pacífica torna-se insustentável, pode-se apelar à Justiça, que decidirá quem tem razão. Mas o que fazer quando se vive em um sistema ilegal, condenado pela própria Justiça?
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A solução é ter o maior poder bélico possível para fazer valer o seu ponto de vista sobre as demais facções, sobre a polícia, sobre os moradores de determinada comunidade. É necessário controlar um território. Quanto mais território um grupo possui, mais pontos de venda terá.
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Cadeias não são locais de ressocialização, mas amontoados de seres humanos em espaços superlotados e sem condições de vida cujo objetivo é aumentar o ódio dos que ali estão contra o restante da sociedade, multiplicando assim a criminalidade. E, é claro, cadeias são locais de disputa pelo controle de territórios e do comando desses territórios.
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A política de segurança pública é simples: seja em um presídio sob responsabilidade do poder público ou em uma empresa terceirizada, quem manda mesmo são as facções criminosas que lá dentro estão representadas.
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Desde que as notícias sobre o massacre no presídio em Manaus começaram a correr a rede, nesta segunda (2), muitas pessoas tiveram orgasmos múltiplos. Festejaram quando souberam que corpos de condenados haviam sido despedaçados e cabeças arrancadas. Entraram em transe diante do sangue em profusão.
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Não importa se as mortes são pelas mãos de outros bandidos, do próprio Estado, de milícias de policiais ou da própria população, reunida em forma de turbas ensandecidas. O que importa é que morram.
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Não é de estranhar, portanto, que boa parte da sociedade que grita que “bandido bom é bandido morto” também esteja entre os 9 em cada 10 que concordam com a redução da maioridade penal para os 16 anos. Morram desde cedo, aliás.
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Boa parte da população, apavorada pelo discurso do medo, mais do que pela violência em si, tem adotado a triste opção de ver o Estado de direito com nojo. Chega de julgamentos longos e com chances dos canalhas se safarem ou de ''alimentar bandido'' em presídios.
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Execute-os com um tiro, de preferência na nuca para não gastar muita bala, ou entreguem facas e deixem que eles se matem por conta própria.
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O que anos de políticos imbecis, apresentadores de TV safados e estruturas que pregam a violência como nosso cimento social (como certas famílias, certas igrejas, certas escolas e certos veículos de comunicação) têm pavimentado dificilmente será desconstruído do dia para a noite.
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Mas, como aqui já disse, devemos perseverar.
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Ao criticar execuções de pessoas que estão sob a tutela do Estado, não defendemos ''bandido'', mas sim o pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia.
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Se você é incapaz de sentir empatia pelo semelhante, sugestão: defenda soluções que passem pela garantia da dignidade de todos os envolvidos. Por você mesmo e por sua família.
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Porque, na hora em que a bomba explodir de verdade, não haverá lugar para se esconder.
Alfio Bogdan - Físico e Professor - analista em acidentes de trânsito.

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