⟪"A força pode esconder a verdade, mas o tempo
traz a luz"⟫
Com aplausos
e entoando estrofes do hino nacional, políticos,
militantes dos direitos humanos, vítimas da ditadura e familiares dos mortos e desaparecidos do regime saudaram a instalação
da ⟨Comissão da Verdade⟩, em cerimônia
realizada no Palácio do Planalto. Foram poucos os que
conseguiram não se emocionar. A própria presidenta Dilma Rousseff,
durante seu discurso, embargou a voz e chorou. “A força pode esconder a verdade, a tirania pode impedi-la de circular
livremente, o medo pode adiá-la, mas o tempo acaba por trazer a luz. Hoje, esse
tempo chegou”, afirmou.
Brasília - Com aplausos calorosos e entoando
estrofes do hino nacional, políticos, militantes dos direitos humanos, vítimas
da ditadura e familiares dos mortos e desaparecidos do regime saudaram a
instalação da Comissão Verdade, em cerimônia realizada nesta quarta (16), no
Palácio do Planalto. Foram poucos os que conseguiram não se emocionar. A própria
presidenta Dilma Rousseff, durante seu discurso, embargou a voz e chorou ao
falar sobre a importância histórica do momento. “A força
pode esconder a verdade, a tirania pode impedi-la de circular livremente, o
medo pode adiá-la, mas o tempo acaba por trazer a luz. Hoje, esse tempo chegou”, afirmou.
Dilma chegou à cerimônia
acompanhada de todos os ex-presidentes civis que a antecederam, à exceção de
Tancredo Neves e Itamar Franco, já falecidos. Fez questão de pontuar a
contribuição de cada um deles à democracia brasileira, dividindo a
responsabilidade pela criação do ambiente democrático que resultou na
instalação da Comissão da Verdade com Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando
Henrique Cardoso, Fernando Collor de Mello e José Sarney. Mas não escondeu o orgulho
de ter sido ela, uma ex-presa política torturada nos porões da ditadura
militar, a responsável pela instituição da Comissão, tão reivindicada e
ansiosamente esperada pela sociedade brasileira.
“Cada um de nós deu a sua contribuição para esse
marco civilizatório, a Comissão da Verdade. Esse é o ponto culminante de um
processo iniciado nas lutas do povo brasileiro, pelas liberdades democráticas,
pela anistia, pelas eleições diretas, pela Constituinte, pela estabilidade
econômica, pelo crescimento com inclusão social. Um processo construído passo a
passo, durante cada um dos governos eleitos, depois da ditadura”, justificou.
Perfil polêmico
Os sete membros empossados pela
presidenta comemoraram o momento histórico e declararam-se prontos e
capacitados a contribuírem com o processo de reconciliação nacional, “sem revanchismos e sem apedrejamentos”, como deixou claro o porta-voz do grupo no
evento, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. “A história vale pelo que ela conta e pelo que dela se espera”, afirmou, ressaltando a importância da busca
pela verdade e memória sobre o período.
Dias também tentou
arrefecer os ânimos de vítimas da ditadura e familiares que, desde o dia
anterior, mobilizaram-se em desagravo à Comissão, devido às declarações de
alguns membros, como o jurista pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho, de que
a comissão investigará não só os agentes de Estado responsáveis por crimes como
tortura, morte, desaparecimento e ocultação de cadáveres, mas também os militantes
de esquerda. Segundo Dias, “possíveis abusos cometidos na luta não justificam
os atos de agentes e mandatários do Estado”.
O próprio Cavalcanti Filho
adotou um tom mais ameno e, em entrevista à imprensa após a cerimônia, disse
que, antes de decidir se irá ou não investigar militantes, a Comissão precisa
definir seu plano de trabalho, ancorando-o sobre os consensos do grupo. “Ainda
temos que conversar sobre isso. Eu recebi, pela internet e de várias fontes, a
solicitação para investigar uma lista com 119 militantes. Mas vamos aguardar a
decisão da comissão”, justificou.
Outro dos empossados, o
ex-procurador geral da República, Cláudio Fonteles, defendeu a não apuração dos
crimes praticados por militantes políticos. Segundo ele, nenhuma das comissões
da verdade criada nos outros 40 países que já passaram pela experiência,
tiveram este perfil.
A presidenta Dilma, no seu
discurso, já havia delimitado a função conciliatória do colegiado, cujos
membros foram escolhidos diretamente por ela. “Quando cumpri minha atribuição
de nomear a Comissão da Verdade, convidei mulheres e homens com uma biografia
de identificação com a democracia e aversão aos abusos do Estado. Convidei,
sobretudo, mulheres e homens inteligentes, maduros e com capacidade de liderar
o esforço da sociedade brasileira em busca da verdade histórica, da pacificação
e da conciliação nacionais. O país reconhecerá nesse grupo, não tenho dúvidas,
brasileiros que se notabilizaram pelo espírito democrático e pela rejeição a confrontos
inúteis ou gestos de revanchismo”, pontuou.
Dilma também não se furtou
a mandar um recado aos remanescentes das casernas e àqueles que entendem a
instalação da comissão como uma ameaça. “A ignorância sobre a história não
pacifica, pelo contrário, mantêm latentes mágoas e rancores. A desinformação
não ajuda apaziguar, apenas facilita o trânsito da intolerância. A sombra e a
mentira não são capazes de promover a concórdia. O Brasil merece a verdade. As
novas gerações merecem a verdade, e, sobretudo, merecem a verdade factual
aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles
morressem de novo e sempre a cada dia. É como se disséssemos que, se existem
filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos,
nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história
são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la”, disse,
muito emocionada, a presidenta.
Ausências e desagravos
A ciência do valor
histórico de ver o país instaurar sua Comissão da Verdade, entretanto, não foi
suficiente para acalentar os ânimos de ex-perseguidos políticos e familiares
dos mortos e desaparecidos da ditadura militar. Muitos deles, descontentes com
o perfil de parte dos membros escolhidos pela presidenta, nem apareceram à
cerimônia. Caso da militante histórica pelos direitos das vítimas e seus
familiares, a ex-exilada Iara Xavier Pereira, que perdeu o marido e dois irmãos
durante o regime.
Outros registraram
presença, mas apenas com o propósito de pressionar a Comissão a adotar uma
postura suficientemente progressista para abrir espaço para que os agentes do
estado responsáveis por crimes de tortura, assassinato, estupro, desaparecimento
forçado e ocultação de cadáveres possam vir a ser punidos.
A anistiada política Rosa
dos Santos, filha do militante comunista e ferroviário Artur Pereira dos Silva,
morto durante a Ditadura, disse reconhecer o esforço do governo em tentar curar
as feridas abertas, mas se disse muito receosa com o perfil da comissão.
“Pessoas que pensam que militantes têm que ser investigados não deveriam estar
aí. Tanto os militantes quanto seus familiares já sofreram a vida toda, toda a
sorte de violências, privações e perseguições. Uma afirmação dessas é
demonstração de desconhecimento da história e do contesto político em que
vivemos”, criticou.
Ela defendeu que as vítimas
e familiares adotem uma postura proativa de acompanhar de perto o trabalho da
Comissão, pressionando sempre. “Eu quero participar das reuniões para ter
acesso ao que está sendo discutido, nem que para isso eu precise providenciar
um mandato de segurança”, afirmou.
Carta Maior - Najla Passos
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