Pode-se afirmar
que a luta pelos direitos consiste em restringir os abusos cometidos pelas
autoridades estatais frente aos cidadãos.
Para tanto, as democracias
constitucionais desenvolveram uma estrutura jurídica que consiste na afirmação
política dos direitos e no controle do exercício do poder estatal. Desse modo,
a sociedade dota as ações estatais de legitimidade na proporção em que essas
ações coincidem com a satisfação das carências da população. Como a satisfação
dessas carências pode resultar na eliminação das diferenças, as democracias
constituíram órgãos cujo propósito é o de servirem como obstáculo à ditadura da
maioria, não lhes cabendo, porém, constatar as vontades dos cidadãos.
Parece óbvio que essa advertência
serve para evitar que as democracias sejam vitimadas por uma deformação própria
das sociedades do espetáculo, ou seja, para que não fiquem reféns do populismo
judicial. No populismo judicial a lógica jurídica é substituída pelo brilho dos
holofotes, em que os passos do processo e as decisões servem não à
constituição, mas ao propósito de as autoridades se tornarem celebridades.
Desse modo,
surge a pergunta pela tarefa do Judiciário em uma democracia constitucional, em
que se exige das instituições uma rigorosa justificação de suas funções. Assim,
não se atribui ao Poder Judiciário “fazer” justiça, pois o voluntarismo ou o
decisionismo judicial cede lugar a uma atuação institucional em que o “fazer
justiça” significa o cumprimento correto dos procedimentos estabelecidos pela
Constituição.
Portanto, fazer justiça é o
desincumbir-se de uma correção procedimental em que há uma sucessão lógica de
acontecimentos, não sujeita a humores, a arbitrariedades ou a caprichos. Desse
modo, aliando-se um sistema coerente de direitos a uma lógica piramidal
judiciária, com primazia das decisões colegiadas sobre as individuais, em que
juízes mais experientes, reunidos em um colegiado, controlam as decisões dos demais
juízes, há a institucionalização do judiciário como garantidor dos direitos
fundamentais dos cidadãos.
Na medida em
esse sistema obtém sua legitimidade da política passa ele a sofrer influência
tanto de grupos capazes de representação quanto dos consensos que traduzem
modos de vida desses mesmos agrupamentos.
Assim, se é verdade que o
direito só é legítimo na medida em que é produzido pela democracia, necessária
é sua contenção, a fim de distinguir sistema de justiça de instituições
políticas, naquilo que se convencionou chamar de freios e contrapesos.
A fim de estabelecer um sistema
constitucional que controla a si mesmo, foi erigida diferenciação entre os
poderes políticos, aos quais compete estabelecer as regras de conduta, pois
regidos pelo princípio majoritário, e o sistema judiciário, cuja tarefa é
decidir os conflitos utilizando-se das regras anteriormente criadas, contrariando,
se necessário, as opiniões dos grupos hegemônicos, econômicos, corporativos ou
midiáticos.
Entretanto, como em qualquer
sistema no de justiça há uma falha estrutural que propicia o surgimento de um
estado de exceção nas democracias constitucionais. Essa exceção autoritária na
democracia constitucional permite a institucionalização da violência,
transformando cidadãos em inimigos.
Na mídia, essa
violência se cristaliza quando o cidadão é transformado em alvo de campanha
jornalística, cujo propósito é caracterizá-lo como inimigo do agrupamento hegemônico.
Essa exposição midiática se caracteriza como justiçamento. A outra face do
justiçamento ocorre com a transformação do processo em pena, ou seja, quando a
“pena” a que o cidadão é submetido é justamente responder a um processo
judicial, não importando se ele é culpado ou inocente.
Afligido pelas
peculiaridades burocráticas, pela linguagem jurídica e pela demora inerente ao
processo judicial, o castigo que aflige o cidadão é justamente ser processado e
exposto aos holofotes como aquele que responde a um processo judicial.
Forma-se assim
um ciclo vicioso em que o processo judicial passa a ser estruturado conforme
uma lógica midiática, cujo roteiro se destina a estabelecer simetria entre as
decisões tomadas e sua aprovação por setores da sociedade.
Nesse caso, o
processo judicial deixa de seguir critérios normativos e passa a se orientar
por consensos fáticos, pois, como o que se busca é o aplauso, são “revogadas”
as garantias constitucionais dos cidadãos e a condenação passa a ser obtida
através de sua exposição midiática como culpado.
Não por acaso as peças
acusatórias passam a ter forma de uma narrativa, estruturadas conforme um
argumento verossimilhante, em que não se busca caracterizar a conduta do
investigado como algo que se enquadre como crime, mas como algo que até poderia
ser um crime, como algo passível de suspeita e de reprovação. Essa narrativa
seria improdutiva se não contasse com as campanhas midiáticas, utilizadas para
incutir nos cidadãos a convicção da culpa do outro e da suspeita que paira
sobre todos.
É justamente nesse ambiente que
se tenta criminalizar o Presidente Lula.
Contra o Presidente Lula há
alguma conduta tipificada como crime? A resposta é não.
Na narrativa contra
o Presidente Lula a tipificação penal de sua conduta assume papel subalterno,
pois importa ao aparato persecutório do Estado puni-lo por métodos não jurídicos,
que podem ser designados como justiciamento.
Segundo essa
narrativa midiática, cuja existência de provas é substituída por argumentos
verossimilhantes, em que baste o talvez ou a dúvida, o que é preciso para
classificar uma conduta como criminosa? E como se defende alguém de uma
narrativa?
Não por acaso a
investigação contra o Presidente Lula é marcada por forte teatralização.
Além de ter sido vítima de
sequestro judicial, nominado pelas autoridades envolvidas como “condução
coercitiva”, durante seu depoimento, quando ainda transcorriam as buscas e
apreensões em imóveis de seu domínio, membros do Ministério Público, da Polícia
Federal e da Receita Federal concediam entrevista coletiva e dissertavam sobre
conteúdo cercado por sigiloso judicial.
Nesse contexto é que o
Presidente Lula foi escolhido como antagonista do aparato persecutório estatal.
Durante as já famosas entrevistas coletivas os procuradores da República
afirmam que se trata de investigar fatos. Nada mais equivocado. Basta uma
leitura apressada dos manuais de filosofia da linguagem para se compreender que
“não há fatos, mas interpretação de fatos”.
Portanto,
o Presidente Lula sempre foi o antagonista ideal do aparato persecutório e, do
Ministério Público Federal, desde a produção de peça acusatória em que foi
sugerido que era ele o Ali Babá.
Luiz
Moreira, doutor em direito e mestre em filosofia pela UFMG, ex Conselheiro
Nacional do Ministério Público.
Alfio Bogdan - Físico e Professor
Fone - Brasil247
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