1. É ponto incontroverso que a corrupção é deletéria para o
processo de desenvolvimento político, social, econômico e jurídico de nosso
país, e todos os participantes de cadeias criminosas engendradas para a
apropriação e dilapidação do patrimônio público, aí incluídos agentes públicos
e privados, devem ser criteriosamente investigados, legalmente processados e,
comprovada a culpa, responsabilizados.
2. Mostra-se fundamental que as instituições que compõem o
sistema de justiça não compactuem com práticas abusivas travestidas de
legalidade, próprias de regimes autoritários, especialmente em um momento em
que a institucionalidade democrática parece ter suas bases abaladas por uma
polarização política agressiva, alimentada por parte das forças insatisfeitas
com a condução do país nos últimos tempos, as quais, presentes tanto no âmbito
político quanto em órgãos estatais e na mídia, optam por posturas sem
legitimidade na soberania popular para fazer prevalecer sua vontade.
3. A banalização da prisão preventiva -aplicada, no mais das
vezes, sem qualquer natureza cautelar – e de outras medidas de restrição da
liberdade vai de encontro a princípios caros ao Estado Democrático de Direito.
Em primeiro lugar, porque o indivíduo a quem se imputa crime somente pode ser
preso para cumprir pena após o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória (CF, art. 5º, LVII). Em segundo lugar, porque a prisão preventiva
somente pode ser decretada nas hipóteses previstas no art. 312 do Código de
Processo Penal, sob pena de violação ao devido processo legal (CF, art. 5º,
LIV).
4. Operações midiáticas e espetaculares, muitas vezes
baseadas no vazamento seletivo de dados sigilosos de investigações em
andamento, podem revelar a relação obscura entre autoridades estatais e
imprensa. Afora isso, a cobertura televisiva do cumprimento de mandados de
prisão, de busca e apreensão e de condução coercitiva – também utilizada
indiscriminada e abusivamente, ao arrepio do art. 260 do Código de Processo
Penal – redunda em pré-julgamento de investigados, além de violar seus direitos
à intimidade, à privacidade e à imagem, também de matriz constitucional (CF,
art. 5º, X). Não se trata de proteger possíveis criminosos da ação estatal, mas
de respeitar as liberdades que foram duramente conquistadas para a consolidação
de um Estado Democrático de Direito.
5. A história já demonstrou que o recrudescimento do direito
penal e a relativização de garantias não previnem o cometimento de crimes.
Basta notar que já somos o quarto país que mais encarcera no mundo, com mais de
600 mil presos, com índices de criminalidade que teimam em subir, ano após ano.
É certo também que a esmagadora maioria dos atingidos pelo sistema penal ainda
é proveniente das classes mais desfavorecidas da sociedade, as quais sofrerão,
ainda mais, os efeitos perversos do desrespeito ao sistema de garantias
fundamentais.
6. Neste contexto de risco à
democracia, deve-se ser intransigente com a preservação das conquistas
alcançadas, a fim de buscarmos a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária. Em suma, como instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o
Ministério Público brasileiro não há de compactuar com medidas contrárias a
esses valores, independentemente de quem sejam seus destinatários, públicos ou
anônimos, integrantes de quaisquer organizações, segmentos econômicos e partidos
políticos.
Alfio Bogdan - Físico e Professor
Do Brasil247
Nenhum comentário:
Postar um comentário