TEXTO DO DISCURSO:
"Há tempo que a ciência e os fatos da vida comprovam
que nada é por acaso.
No entanto, embora a ideia medieval da abiogênese, a
“geração espontânea”, seja a representação paradigmática daqueles tempos
trevosos, ainda hoje a proposição do espontaneísmo resiste e é amplamente
aceita, quando se trata da política ou mesmo da economia.
Diariamente, a mídia empresarial espalha a intrujice
de que do acúmulo de lixo nascem insetos e ratos, que é possível originar vida
de matéria não viva.
Se Humberto Eco foi assertivo ao dizer que a internet
liberou infindáveis legiões de néscios, ele esqueceu de acrescentar à turma os
comentaristas e ditos analistas de política e economia que infestam as
televisões, rádios e jornais da mídia comercial e monopolista.
É notável a incapacidade de raciocinar, de somar dois
com dois.
Gramsci dizia que não existe o canalha absoluto, que
o canalha absoluto é uma criação ficcional.
Essa generosidade do filósofo que sofreu no corpo
debilitado os horrores do fascismo sempre me impressionou.
Então, se concedemos que nem todos sejam canalhas
plenos, integrais, resta outra suposição: a burrice córnea.
A ceratina penetrou de tal forma na cabeça dessa
gente que as tornou duras, resistentes, impermeáveis à verdade dos fatos.
Se, ato contínuo à ampliação de nosso mar territorial
de 12 para 200 milhas marítimas, em 1970, sob Garrastazu Médici, os
norte-americanos movimentam sua IV Frota — por mais que o governo militar fosse
um aliado incondicional– não o fazem para competir com os franceses na pesca da
lagosta.
Se, sob Ernesto Geisel, em 1975, de repente, os
Estados Unidos tornam-se guardiões dos direitos humanos e pressionam a ditadura
brasileira, não é porque a tortura, os assassinatos, o desaparecimento de
opositores os preocupassem, e sim os acordos nucleares do Brasil com a
Alemanha.
Mais recentemente, quando os norte-americanos
grampeiam a presidente Dilma, monitoram suas conversas, perscrutam suas
decisões e controlam sua comunicação com ministros, auxiliares e políticos, não
estão à procura da receita de sua dieta para emagrecer.
Quando os serviços de espionagem dos Estados Unidos
invadem, vasculham, devassam todas as informações da Petrobrás, não são os
Cerveró, os Duque, os Paulo Roberto Costa, os Youssef, os Barusco ou os Sérgio
Machado que os mobilizam.
A corrupção é um segredo de polichinelo, o pré-sal o
prêmio.
Se, antigamente, a Escola das Américas era o centro
formador dos torturadores, dos assassinos estatais, dos sabotadores dos
governos populares e nacionalistas, hoje, o Departamento de Justiça dos Estados
Unidos, em cooperação com o FBI, a CIA, a NSA, encarrega-se de seduzir,
domesticar e abduzir juízes, procuradores e policias. E políticos é
claro.
A produção de cabos Anselmo não foi interrompida,
sofisticaram-se os meios e os métodos. Ao invés dos sicários a soldo, temos os
heróis de almanaques.
Os super-juízes, os super-procuradores, e, como
contrafação, já que nenhuma exageração escapa do ridículo, temos o japonês da
federal. E o coreano do MBL.
Quando o presidente Lula sanciona, em 2010, a Lei da
Ficha Limpa e a presidente Dilma, em 2013, assina a Lei das Organizações
Criminosas, disciplinando a delação premiada; quando se desequilibra a harmonia
entre os poderes, e produz-se a hipertrofia do Judiciário, do Ministério
Público e da Polícia Federal; quando o presidencialismo de coalizão cede a um
Parlamento que se transformou em mandalete dos financiadores de campanha;
quando o presidente Lula coloca no Banco Central e no Ministério da Fazenda homens
de confiança do mercado financeiro; quando a presidente Dilma, na crise de
2013-2014, adota políticas neoliberais, aprofundando a crise; quando tanto um
como outro presidentes constrangem-se diante das pressões da mídia monopolista
e comercial e fogem de adotar aqui as mesmas legislações que os
norte-americanos e alguns países europeus adotaram para democratizar os
meios de comunicação; quando tudo isso somado produz um salto qualitativo,
temos o golpe e seu corolário de horrores: a alienação da soberania nacional, a
entrega do petróleo, dos minérios, das terras, da água, a destruição da
República Social, a sabotagem da Petrobrás, as privatizações. E o aceleramento
da marcha da desindustrialização e da precarização da ciência e da tecnologia.
Na divisão internacional do trabalho é o papel que
nos reservam: celeiro do mundo, exportador de grãos e de matérias primas
minerais, fornecedor de petróleo. E de água! Afinal, vimos em Davos a Nestle e
a Coca- Cola renovarem a cobiça pelo aquífero Guarani, uma das maiores reservas
de água doce do planeta.
Senhoras e senhores senadores.
Esses são os fatos da realidade. Essa é a verdade que
os fatos revelam, por mais que o cinismo e a estultícia da grande mídia tentem
perverter e adulterar a natureza das coisas.
Como antídoto para o massacre diário do discurso
antinacional, antidemocrático e antipopular que se estabeleceu no país, quero
oferecer um texto do professor de Filosofia da Universidade Federal do Espírito
Santo, Maurício Abdala, publicado no “Le Monde Diplomatique”.
Os 13 pontos do professor Abdala são uma leitura
necessária para quem ama o Brasil e acredita que ainda é possível vencer esses
tempos tão sinistros da nossa história.
Vamos ao contraveneno às sandices daqueles que
acreditam que do lixo que produzem é possível brotar alguma vida.
Vamos lá.
1 – O foco do poder não está na política, mas na
economia. Quem comanda a sociedade é o complexo financeiro-empresarial com
dimensões globais e conformações específicas locais.
2 – Os donos do poder não são os políticos. Estes são
apenas instrumentos dos verdadeiros donos do poder.
3 – O verdadeiro exercício do poder é invisível. O
que vemos, na verdade, é a construção planejada de uma narrativa fantasiosa com
aparência de realidade para criar a sensação de participação consciente e
cidadã dos que se informam pelos meios de comunicação tradicionais.
4 – Os grandes meios de comunicação não se constituem
mais em órgãos de “imprensa”, ou seja, instituições autônomas, cujo objeto é a
notícia, e que podem ser independentes ou, eventualmente, compradas ou
cooptadas por interesses. Eles são, atualmente, grandes conglomerados
econômicos que também compõem o complexo financeiro-empresarial que comanda o
poder invisível.
Portanto, participam do exercício invisível do poder
utilizando seus recursos de formação de consciência e opinião.
5 – Os donos do poder não apoiam partidos ou
políticos específicos. Sua tática é apoiar quem lhes convém e destruir quem
lhes estorva. Isso muda de acordo com a conjuntura. O exercício real do poder
não tem partido e sua única ideologia é a supremacia do mercado e do lucro.
6 – O complexo financeiro-empresarial global pode
apostar ora em Lula, ora em um político do PSDB, ora em Temer, ora em um
aventureiro qualquer da política. E pode destruir qualquer um desses de acordo
com sua conveniência.
7 – Por isso, o exercício do poder no campo
subjetivo, responsabilidade da mídia corporativa, em um momento demoniza Lula,
em outro Dilma, e logo depois Cunha, Temer, Aécio, etc. Tudo faz parte de um
grande jogo estratégico com cuidadosas análises das condições objetivas e
subjetivas da conjuntura.
8 – O complexo financeiro-empresarial não tem opção
partidária, não veste nenhuma camisa na política, nem defende pessoas. Sua
intenção é tornar as leis e a administração do país totalmente favoráveis para
suas metas de maximização dos lucros.
9 – Assim, os donos do poder não querem um governo ou
outro à toa: eles querem, na conjuntura atual, a reforma na previdência, o fim
das leis trabalhistas, a manutenção do congelamento do orçamento primário, os
cortes de gastos sociais para o serviço da dívida, as privatizações e o alívio
dos tributos para os mais ricos.
10 – Se a conjuntura indicar que Temer não é o melhor
para isso, não hesitarão em rifá-lo. A única coisa que não querem é que o povo
brasileiro decida sobre o destino de seu país.
11 – Portanto, cada notícia é um lance no jogo. Cada
escândalo é um movimento tático. Analisar a conjuntura não é ler notícia. É
especular sobre a estratégia que justifica cada movimento tático do complexo
financeiro-empresarial (do qual a mídia faz parte), para poder reagir também de
maneira estratégica.
12 – A queda de Temer pode ser uma coisa boa. Mas é
um movimento tático em uma estratégia mais ampla de quem comanda o poder. O que
realmente importa é o que virá depois.
13 – Lembremo-nos: eles são mais espertos. Por isso
estão no poder.
Senhoras e senhores senadores. Brasileiros.
Os pressupostos estão aí. Mas essa compreensão
incisiva da realidade obriga-nos um passo seguinte: a ação.
Depois que Hitler invadiu a França, despojando-a de
sua soberania, anulando-a como nação, Charles de Gaulle chamou seus
compatriotas à resistência, acima dos interesses de cada um. O que estava em
jogo era a existência do país, seus valores, suas tradições, suas crenças, sua
identidade.
Até mesmo os contrabandistas que tão bem conheciam as
fronteiras da França, até eles foram convocados à grande tarefa de libertação
do país.
Não estou insinuando que, no caso da grande tarefa de
libertação do Brasil, até corruptos devam ser convocados, mesmo porque boa
parte deles estão de papo para o ar, refestelados nos milhões com que foram
premiados pela delação.
Convoco os homens e as mulheres que amam este país,
que abominam a corrupção e o entreguismo.
Que rejeitam ser escravos do dinheiro; que não
aceitam a prevalência do capital financeiro sobre o capital produtivo.
Que não querem ver esse país tão rico transformado em
uma plantation colonial, a ofertar ao mundo desenvolvido grãos, minérios,
petróleo, terras e água.
Que não querem ver os nossos trabalhadores
transformados em mão de obra semiescravizada, para o desfrute global.
Com Shakespeare e Henrique V, antes da batalha de
Agincourt, encerro dizendo: aqui estão os brasileiros que deviam estar. E os
que não estiverem vão se arrepender até o fim de suas vidas não terem estado
conosco.
Nada temos a perder, pois o que tínhamos está sendo
surrupiado, desbaratado e vendido a preço de banana pelos entreguistas do
Brasil, com a prestimosa colaboração de alguns tolos que se arvoram em heróis
da pátria."
Alfio Bogdan - Físico e Professor
Nenhum comentário:
Postar um comentário