Último debate do primeiro turno da
campanha presidencial, o encontro da Globo não produziu alterações dramáticas
na posição entre os principais candidatos mas abriu uma perspetiva promissora
para o segundo turno: a reaproximação entre Fernando Haddad e Ciro Gomes.
Distanciados ao longo dos encontros
anteriores, quando Ciro testava até onde poderia avançar em sua própria
candidatura, o encontro encerrou-se com várias demonstrações de aproximação,
mais do que necessárias para enfrentar a ameaça fascista que Jair Bolsonaro
representa para o país.
Ausente dos debates principais,
realizados após a facada recebida em Juiz de Fora, Bolsonaro não compareceu ao
encontro da Globo. Privou milhões de eleitores de testemunhar seu desempenho
num ritual obrigatório das democracias.
A julgar por aquilo que diz a
maioria das pesquisas de intenção de voto, o atentado contra Bolsonaro
foi uma tragédia, mas, do ponto de vista eleitoral e político, lhe garantiu o
percurso sonhado por todo candidato que ocupa a liderança da campanha. Permitiu-lhe
disputar uma vaga no segundo turno sem ser submetido ao confronto democrático,
no qual todo candidato é atacado por adversários, muitas vezes de forma
orquestrada e agressiva.
Teste de nervos, de capacidade de
improvisação e de competência para oferecer respostas rápidas diante assuntos
complexos, um debate é uma oportunidade particularmente instrutiva para o
eleitorado tentar antecipar traços que ajudam a compreender o perfil de um
homem público que disputa um cargo tão importante e decisivo. Os programas de
campanha podem ser escritos por assessores e até por acadêmicos. Os discursos
podem ser redigidos por profissionais de estilo e capacidade conveniente para
várias ocasiões. A importância dos debates é que não podem ser programados nem
controlados inteiramente, como Henrique Meirelles fez questão de lembrar
durante o encontro.
Visto como candidato sem as
qualificações básicas para governar um país de 215 milhões de habitantes,
endereço da 9a economia do mundo, Bolsonaro garantiu passagem para o
segundo turno na condição do aluno que é diplomado sem prestar todos os exames
exigidos dos demais.
Resta saber se conseguirá preservar
o mesmo desempenho na segunda fase, palco para confrontos 1 contra 1, numa
campanha na qual todos têm o mesmo tempo de TV -- e a obrigação de apresentar
projetos coerentes para o país, capazes de interessar eleitores em busca de
algo mais do que frases de efeito, slogans e fake news.
Este Bolsonaro, um ilustre
desconhecido, transformado num candidato inatingível após a facada, irá
enfrentar um confronto no qual o grau de transparência é bem maior,
dificultando truques e artimanhas que o eleitorado irá perceber com
facilidade.
Alvo dos demais presentes, que
esboçaram várias tentativas de ataque sempre que possível, Fernando Haddad saiu
do encontro maior do que entrou. Enquadrou Alvaro Dias, concorrente
irresponsável em sua agressividade tão barulhenta como oca. "Você nem
sonha com o que eu fiz", disse ao senador, enumerando a herança que sua
passagem pelo ministério da Educação deixou aos brasileiros pobres e
explorados. Nunca deixou de apontar responsabilidades e erros do PSDB, que
tiveram importância decisiva na abertura e aprofundamento da crise do país. Nem
precisou lembrar da auto-crítica do senador Tasso Jereissati para sublinhar o
que queria dizer.
Quando a Marina Silva cobrou a
autocrítica sobre erros do Partido dos Trabalhadores, exercício típico de quem
quer obrigar o adversário a se diminuir perante o eleitorado sem apontar razões
objetivas nem ter a humildade para assumir suas próprias responsabilidades,
Haddad deu uma resposta enérgica. Lembrou que já assumiu erros e desvios em
diversos pronunciamentos e entrevistas, mas que acha errado "jogar
fora a criança com a água do banho".
Em nenhum momento Haddad perdeu o
fio condutor da própria candidatura. Homenageou Lula em diversas ocasiões,
postura que deve lhe trazer frutos junto aos milhões de eleitores que não
fizeram a transição entre as candidaturas. Não se intimidou com os diversos
adversários que, sem força própria para crescer, tentaram transformar o debate
num show de hipocrisias, escondidos atrás da noção de que, ao lado de
Bolsonaro, sua candidatura faz parte de uma disputa entre dois extremos que se
equivalem e se complementam, impedindo o país de achar um caminho para sair do
atoleiro -- visão tão conveniente como desonesta, sabemos todos.
Num país que procura uma saída para
vencer a pior crise de sua história, Haddad deixou claro que conquistou a
condição de desafiante real de Bolsonaro, e se coloca à vontade diante da
responsabilidade que essa condição lhe confere.
Sem nenhum lance dramático capaz de
constituir uma daquelas cenas inesquecíveis que marcam encontros dessa
natureza, o fim do debate sinalizou uma nova situação política na campanha, em
torno de Haddad e Ciro. Este comportamento pode se revelar o salto mais
importante de uma campanha que tende a assumir o caráter de uma frente única em
defesa da democracia, na qual a luta pelo bem-estar do povo caminha lado a lado
com a defesa do regime de direitos e liberdades ameaçado por Bolsonaro.
Rapá, num pronunciamento final de quem se despede do eleitorado de 2018, Ciro
não deixou de pedir votos no domingo, o que é natural. Mas abriu um novo
caminho a partir daí, ao deixar clara sua oposição à candidatura que representa
uma inédita ameaça fascista na história brasileira
Original> Brasil 247 - PML
Alfio Bogdan - Físico e Professor
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