quinta-feira, 19 de setembro de 2019

O ACORDO BASE DE ALCÂNTARA


Problemas do acordo


Quando se examina o documento do Acordo de Alcântara, fica evidente que a maior limitação imposta pela parceria com os EUA (ou, melhor dizendo, imposta pelos EUA) está no cerceamento da transferência de tecnologia, o que termina interferindo seriamente nas decisões soberanas do Brasil no sentido de desenvolver tecnologia avançada na área espacial. Logo no Artigo I, há a declaração de que o objetivo é “(…)evitar o acesso ou a transferência não autorizados de tecnologias não relacionadas ao lançamento(…)”.
Nesse sentido, não seria exagero observar que o acordo serve para garantir que os EUA, como sócio maiorreserve para si o direito de determinar quem usará a base e como ela será empregada. É explícito que não haverá o repasse de capacidades científicas e de engenharia para que o Brasil retome a construção dos seus próprios VLSs. Pior: o acordo impede a transferência de recursos oriundos do aluguel da base para a pesquisa diretamente relacionada com a construção de um VLS nacional.
Em relação às questões territoriais, dois problemas principais são destacados: as restrições de acesso dentro da base e a recuperação de possíveis destroços em caso de acidente fora da base. Pelo acordo, o governo do brasileiro deve identificar todos os seus representantes, porém a existência de áreas restritas dentro do CLA, controladas pelos EUA, onde apenas pessoas autorizadas por esse governo terão acesso é um grave exemplo de inacessibilidade do Brasil dentro do próprio território.
No segundo caso, o governo brasileiro tem o dever de auxiliar na busca de destroços em todo o seu território. Deverá enviar Órgãos de Polícia e Prestação de Socorro Emergencial, porém estes deverão ser acompanhados por norte-americanos nas áreas restritas e deverão retornar qualquer material recolhido para o governo dos Estados Unidos, bem como quaisquer fotografias tiradas por esses órgãos e descrições dos equipamentos recuperados em território brasileiro.
O AST também impõe ao Brasil limitações em busca de parceiros paralelos aos Estados Unidos no que se refere a Alcântara. Esse dispositivo, portanto, limitaria a soberania brasileira na busca de parcerias com países como a China, que vem desenvolvendo um programa espacial de altíssima qualidade e que busca cooperação em diversos setores pelo mundo.
O curioso nessas limitações é que estão embutidas cláusulas que permitem, num mecanismo de dupla consulta, contornar, por exemplo, a questão da não aderência ao MCTR. Países que sejam aliados dos EUA e que estejam aprofundando os laços com o Brasil (o caso mais evidente é o de Israel), seriam os beneficiados aqui. Em todo o caso, isso é uma intromissão séria na soberania brasileira na área e tende a favorecer o sócio mais forte, os EUA.
O AST define que não haverá lançamentos de foguetes com carga explosiva em Alcântara, mas há uma inconsistência em relação a proibição do uso militar da base. Há a possibilidade de que o emprego militar da base seja obtido, com vantagem exclusiva para os EUA, de outra forma: com o lançamento de satélites de vigilância e espionagem, que incorporam a mesma tecnologia de satélites de uso civil.

Resumindo os problemas


A partir da análise de todo o documento, e, em especial, sobre o veto estadunidense colocado no Artigo III, e que impactam diretamente sobre a soberania do Brasil,  deve-se levar em conta sobre razões de ordem geopolítica, tecnológicas e comerciais que envolvem o AST. No primeiro caso, é certo que os EUA conhecem a cooperação espacial do Brasil com a China, e tentam se prevenir contra a possibilidade de um aumento mais efetivo dessa associação em algum momento futuro. O mesmo vale em relação a outros possíveis parceiros.
Sobre as razões tecnológicas, deve-se observar que o Brasil tem formado quadros técnicos no setor aeroespacial de reconhecida competência e que, com o estímulo governamental correto, podem desenvolver uma gama de capacidades de modo a mobilizar setores de pesquisa em universidades, empresas e criar uma sinergia com outros ramos da economia. Vetando o aporte de recursos para o VLS nacional, eles se previnem contra, e/ou retardam objetivamente qualquer política pública futura que pode impulsionar efetivamente a exploração do espaço.
Quanto às razões comerciais: hoje, Alcântara tem capacidade muito restrita de lançamento sub-orbital. Se a parceria se aprofundar nos próximos anos, serão feitos investimentos de modo a transformar o CLA num espaçoporto de fato, como o são os da Guiana Francesa ou do Cabo Canaveral. Existe uma possibilidade de que a utilização da base traga, de fato, um aumento nos recursos financeiros que serão administrados pelo governo brasileiro. Para Washington, faz sentido prevenir-se quanto a utilização desses recursos caso eles aumentem, proibindo o aporte justamente num VLS brasileiro.
Pelo exposto no artigo, a conclusão é de que o acordo, em sua forma atual, atende aos interesses dos EUA e coloca o Brasil numa posição subalterna. Fica muito difícil aceitar que o Brasil será esse grande player aceitando restrições que tolham sua soberania. Fica a pergunta: a quem interessa essa situação, dentro e fora do país?


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