Problemas
do acordo
Quando se examina o documento
do Acordo de Alcântara, fica evidente que a maior limitação imposta pela
parceria com os EUA (ou, melhor dizendo, imposta pelos EUA) está no cerceamento
da transferência de tecnologia, o que termina interferindo seriamente nas
decisões soberanas do Brasil no sentido de desenvolver tecnologia avançada na
área espacial. Logo no Artigo I, há a declaração de que o objetivo é “(…)evitar
o acesso ou a transferência não autorizados de tecnologias não relacionadas ao
lançamento(…)”.
Nesse sentido, não seria
exagero observar que o acordo serve para garantir que os EUA, como sócio maior, reserve
para si o direito de determinar quem usará a base e como ela será empregada. É
explícito que não haverá o repasse de capacidades científicas e de engenharia
para que o Brasil retome a construção dos seus próprios VLSs. Pior: o acordo
impede a transferência de recursos oriundos do aluguel da base para a pesquisa
diretamente relacionada com a construção de um VLS nacional.
Em relação às questões
territoriais, dois problemas principais são destacados: as restrições de acesso
dentro da base e a recuperação de possíveis destroços em caso de acidente fora
da base. Pelo acordo, o governo do brasileiro deve identificar todos os seus
representantes, porém a existência de áreas restritas dentro do CLA,
controladas pelos EUA, onde apenas pessoas autorizadas por esse governo terão
acesso é um grave exemplo de inacessibilidade do Brasil dentro do próprio
território.
No segundo caso, o governo
brasileiro tem o dever de auxiliar na busca de destroços em todo o seu
território. Deverá enviar Órgãos de Polícia e Prestação de Socorro Emergencial,
porém estes deverão ser acompanhados por norte-americanos nas áreas restritas e
deverão retornar qualquer material recolhido para o governo dos Estados Unidos,
bem como quaisquer fotografias tiradas por esses órgãos e descrições dos
equipamentos recuperados em território brasileiro.
O AST também impõe ao Brasil
limitações em busca de parceiros paralelos aos Estados Unidos no que se refere
a Alcântara. Esse dispositivo, portanto, limitaria a soberania brasileira na
busca de parcerias com países como a China, que vem desenvolvendo um programa
espacial de altíssima qualidade e que busca cooperação em diversos setores pelo
mundo.
O curioso nessas limitações é
que estão embutidas cláusulas que permitem, num mecanismo de dupla consulta,
contornar, por exemplo, a questão da não aderência ao MCTR. Países que sejam aliados
dos EUA e que estejam aprofundando os laços com o Brasil (o caso mais evidente
é o de Israel), seriam os beneficiados aqui. Em todo o caso, isso é uma
intromissão séria na soberania brasileira na área e tende a favorecer o sócio
mais forte, os EUA.
O AST define que não haverá
lançamentos de foguetes com carga explosiva em Alcântara, mas há uma
inconsistência em relação a proibição do uso militar da base. Há a
possibilidade de que o emprego militar da base seja obtido, com vantagem
exclusiva para os EUA, de outra forma: com o lançamento de satélites de
vigilância e espionagem, que incorporam a mesma tecnologia de satélites de uso
civil.
Resumindo
os problemas
A partir da análise de todo o documento, e, em especial, sobre o
veto estadunidense colocado no Artigo III, e que impactam diretamente sobre a
soberania do Brasil, deve-se levar em conta sobre
razões de ordem geopolítica, tecnológicas e comerciais que envolvem o AST. No
primeiro caso, é certo que os EUA conhecem a cooperação espacial do Brasil com
a China, e tentam se prevenir contra a possibilidade de um aumento mais efetivo
dessa associação em algum momento futuro. O mesmo vale em relação a outros possíveis
parceiros.
Sobre as razões tecnológicas, deve-se observar que o Brasil tem
formado quadros técnicos no setor aeroespacial de reconhecida competência e
que, com o estímulo governamental correto, podem desenvolver uma gama de
capacidades de modo a mobilizar setores de pesquisa em universidades, empresas
e criar uma sinergia com outros ramos da economia. Vetando o aporte de recursos
para o VLS nacional, eles se previnem contra, e/ou retardam objetivamente
qualquer política pública futura que pode impulsionar efetivamente a exploração
do espaço.
Quanto às razões comerciais: hoje, Alcântara tem capacidade muito
restrita de lançamento sub-orbital. Se a parceria se aprofundar nos próximos
anos, serão feitos investimentos de modo a transformar o CLA num espaçoporto de
fato, como o são os da Guiana Francesa ou do Cabo Canaveral. Existe uma
possibilidade de que a utilização da base traga, de fato, um aumento nos
recursos financeiros que serão administrados pelo governo brasileiro. Para
Washington, faz sentido prevenir-se quanto a utilização desses recursos caso
eles aumentem, proibindo o aporte justamente num VLS brasileiro.
Pelo exposto no artigo, a conclusão é de que o acordo, em sua
forma atual, atende aos interesses dos EUA e coloca o Brasil numa posição
subalterna. Fica muito difícil aceitar que o Brasil será esse grande player aceitando
restrições que tolham sua soberania. Fica a pergunta: a quem interessa essa
situação, dentro e fora do país?
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