O encontro entre o presidente do Supremo Tribunal Federal,
Joaquim Barbosa, e representantes das três principais associações de juízes do
Brasil, nesta segunda-feira (8/4), terminou mal. A reunião era pedida desde que
Barbosa tomou posse como presidente e tinha como pauta a valorização do
Judiciário, mas acabou com o ministro acusando as associações de fazerem
"negociações sorrateiras" para que o Congresso Nacional aprovasse a
criação de novos tribunais regionais federais. Participaram da audiência
representantes da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
(Anamatra), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos
Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
O ministro usou a reunião para voltar a criticar a
instalação de mais quatro TRFs, com a aprovação da Proposta de Emenda à
Constituição 544/2002 e disse que a aprovação ocorreu de “maneira açodada,
sorrateira”, com a ajuda das entidades. Além das provocações sobre o assunto
que não estava na pauta da reunião, o presidente do STF tentou encerrar
diversas vezes o encontro, que era acompanhado pela imprensa, "porque o
nível da conversa não estava adequado".
“Tínhamos uma pauta de
valorização e fortalecimento do Judiciário: democratização interna, eleições
diretas em tribunais estaduais, tribunais regionais do Trabalho”, ponderou o
presidente exercício da Anamatra, João Bosco Coura, em entrevista à
revista Consultor Jurídico. “Mas parece que o ministro havia se preparado
para um confronto. Ele usou palavras fortes e desarrazoadas”, afirmou Coura. O
presidente da Ajufe, Nino Toldo, confirmou o clima tenso da reunião.
Barbosa disse, em tom irônico, que os novos tribunais
servirão para “dar mais empregos aos advogados" e que os novos TRFs serão
instalados em "resorts, à beira de alguma praia”, isso porque não teriam
qualquer utilidade para o país. Barbosa ainda acusou as entidades de
conduzir “na surdina” a negociação com os deputados para a aprovação da PEC
544/2002.
Nino Toldo não identificou motivos para a reação de Joaquim
Barbosa, que também preside o Conselho Nacional de Justiça. “Não há nenhuma
intenção de criar tribunais em resorts. Manaus, Belo Horizonte e Curitiba
nem têm praia”, lembra ele.
Para Toldo, a votação da proposta de emenda constitucional
foi pública e a associação sempre se manifestou de modo transparente em relação
ao tema. A proposta teve apoio de diversas entidades ligadas ao
Judiciário, como as associações de juízes e a Ordem dos Advogados do Brasil, e
tramitou no Congresso Nacional desde 2002.
Na véspera da votação, Barbosa havia encaminhado um ofício
aos presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB), e do Senado, Renan
Calheiros (PMDB), em manifestação contrária à aprovação da PEC. “Barbosa
ficou irado com isso porque ele foi diretamente ao Parlamento e os deputados
votaram exatamente o contrário do que o ministro propôs”, afirma o presidente
da AMB, Nelson Calandra, em entrevista à ConJur.
Barbosa disse que os novos tribunais custariam R$ 8 bilhões,
mas, segundo Calandra, as informações sobre os custos da criação dos TRFs e a
quantidade necessária de cargos para os novos órgãos estão desencontradas.
"O ministro acredita que a Justiça Federal, à medida que aumenta o número
de cargos, fica menos prestigiada, menos relevante”, disse. "Na verdade,
os colegas da Justiça Federal levaram a ele números que mostram a necessidade
das novas cortes", conta.
O vice-presidente da Ajufe, Ivanir César Ireno Júnior,
retrucou as acusações de que o projeto foi aprovado "a base de
cochichos" e de maneira "sorrateira" e disse que a associação
acompanhava o processo há mais de uma década. "Sorrateira não, ministro.
Democrática e transparente", disse. "São responsáveis, na surdina,
pela aprovação", contra-atacou Barbosa. O ministro, ainda exaltado, pediu
que Ireno baixasse o tom de voz. O representante da Ajufe, por sua vez, disse
que aquele era seu modo de falar. “O senhor abaixe a voz que o senhor está na
presidência do Supremo Tribunal Federal", alertou Barbosa. "Não estou
gritando, ó estou dizendo", argumentou Ireno, em vão. Joaquim Barbosa
acrescentou ainda que o vice-presidente não havia sido convidado para a
audiência — apenas os presidentes das três entidades: Anamatra, Ajufe e AMB.
Para o presidente do STF, entidades não têm legitimidade
para representar órgãos estatais e falar sobre a necessidade de novos
tribunais. “Os senhores não representam o Conselho Nacional de Justiça. Os
senhores não representam o STJ [Superior Tribunal de Justiça], representam seus
interesses corporativos legítimos. Mas isso não supre a vontade dos órgãos
estatais. Compreendam isso. Os senhores não representam a nação. Não
representam os órgãos estatais. Os senhores são representantes de classe. Só
isso", disse Barbosa, segundo notícia publicada no portal Uol.
Ideia negativa
Para Bosco Coura, a ideia de Barbosa sobre as entidades é
negativa e equivocada. “O ministro tem essa visão das corporações: espúria, de
dinheiro, de vantagens. Mas elas atuam publicamente, republicanamente”, disse.
Nelson Calandra disse que a declaração do ministro de que ele era
"só" um representante de classe nem pode ser encarada como crítica.
“O ministro falou que os nossos interesses são de ordem corporativa, de classe.
E eu fiquei feliz com a declaração, porque é sinal de que estou fazendo
exatamente aquilo para que fui eleito”, avaliou. A AMB tem 94 anos e
aproximadamente 14 mil associados.
O encontro foi solicitado pelo representantes sindicais, o
primeiro concedido por Barbosa desde que assumiu o Supremo, em novembro de
2012. Joaquim Barbosa avisou que, da próxima vez, as reivindicações deveriam
ser entregues à sua assessoria, e não alardeadas na imprensa. O ministro ainda
completou, dizendo que sua “agenda é muito cheia”.
Em ofício conjunto, as três associações apresentaram a pauta de
reivindicações da categoria, como a despolitização dos tribunais de segunda
grau, da Justiça do Trabalho e Justiça Federal; mudanças na política
remuneratória, programa nacional de valorização da magistratura; manutenção de
previdência pública para os membros do Poder Judiciário; campanhas de combate à
corrupção; entre outros.
Em relação à queixa dos magistrados sobre o pagamento de
adicional por tempo de serviço, Barbosa não rendeu a conversa: “Não tenho
controle da bolsa do país.
“Fomos desrespeitados”, lamentou Nino Toldo. “Mas nosso
relacionamento com o STF não está prejudicado. Nem com o Superior Tribunal de
Justiça ou os outros tribunais. Essa é uma posição individual do ministro [Joaquim
Barbosa]. Entendo posturas pessoais, mas deve ser respeitado o diálogo
institucional”.
Para Nelson Caladra, o presidente do Supremo possui o
temperamento forte. “O diálogo é difícil, mas não impossível. Sei que ele é um
homem com preocupação permanente em relação aos assuntos nacionais
importantes”, avaliou o presidente da AMB.
Um exemplo do "diálogo difícil" se deu quando,
durante a reunião, Barbosa disse que há menos de quatro meses havia recebido
“esse senhor”, referindo-se ao presidente da Ajufe. O juiz disparou: “Meu nome
é Nino Toldo”. A resposta veio com rispidez: “Não tenho obrigação de saber o
seu nome”.
Procurado pela ConJur, a assessoria de imprensa do
Supremo Tribunal Federal comunicou que o ministro Joaquim Barbosa não deu
declarações e nem se vai se manifestar sobre a audiência desta segunda-feira.
Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2013
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