CAPITULO IV
IV. PROBLEMAS
ATUAIS DO SOCIALISMO. — A cisão do movimento socialista internacional que se
seguiu à revolução soviética, à medida que o novo Estado ia adquirindo, nas décadas
de 20 e 30, a sua configuração jurídica, política e econômica definitivas, foi
cristalizando o Socialismo e o comunismo em duas culturas políticas
profundamente diferentes e muitas vezes hostis, mesmo que ao período de choque
frontal, em que os socialistas foram tratados pelas lideranças leninistas como "social-traidores"
e "social-fascistas", se tenha seguido uma fase de aliança e de
colaboração durante a luta antifascista e a resistência. Não faltaram as formas
intermediárias e as tentativas de superar o cisma que se verificou no movimento
operário, mas, na realidade, foram elaboradas, a partir da década de 1930 e
especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, dois modelos completamente
diferentes de Socialismo, ambos muito distantes das formas previstas pelo
Socialismo do século passado e da formulação utópica do Manifesto de Marx e
Engels ("No lugar da velha sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos
de classe, entra uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a
condição para o livre desenvolvimento de todos"). No Ocidente, os
Governos regidos
pelas social-democracias, na Alemanha, na Inglaterra, na Bélgica e nos países escandinavos,
promoveram algumas nacionalizações e a instauração de uma economia mista no
quadro de um "capitalismo organizado", com redistribuição de renda e
formas de segurança social para as classes
trabalhadoras
que o "Estado assistencial" (Welfare State) tornou possíveis. Ao
contrário da socialdemocracia clássica, as social-democracias contemporâneas
são partidos populares que abandonaram a idéia da divisão da sociedade em classes
contrapostas e o Socialismo como abolição da propriedade privada (as
declarações mais explícitas foram as da social-democracia alemã no programa de Bad
Godesberg, 1959). (V. também REFORMISMO; SOCIAL-DEMOCRÁTICOS, GOVERNOS). Na
União Soviética e nos países em que se instaurou a ditadura do partido
"marxista-leninista" (identificada ideologicamente com a
"ditadura do proletariado"), o Socialismo, de fase de transição, se
transformou em formação social autônoma, caracterizada pelo esvaziamento das
formas originárias da democracia de base, pela concentração autoritária dos
poderes por parte do aparelho burocrático do Estado e do partido, e pelo
reproduzir-se de profundas desigualdades e agudos conflitos sociais, não
obstante a "desestalinização" e as tentativas de liberalização, substancialmente
fracassadas, de sistemas políticoeconômicos, aos quais hoje é freqüentemente
aplicada a fórmula de "Socialismo real", para sublinhar a sua discordância
com as expectativas do Socialismo teórico.
Surge, portanto,
um dilema que N. Bobbio ilustrou nos seguintes termos: "chocamo-nos com
esta contradição, que é a verdadeira pedra de tropeço da democracia socialista
(não se confunda com a socialdemocracia): através do método democrático o Socialismo
é inatingível; mas o Socialismo não alcançado por via democrática não consegue
encontrar o caminho para a transição de um regime de ditadura ao regime de
democracia. Nos Estados capitalistas, o método democrático, mesmo em suas
melhores explicações, bloqueia o caminho para o Socialismo; nos Estados
socialistas, a concentração do poder tornada necessária para uma direção
unificada da economia torna extremamente difícil a introdução do método democrático".
O problema seria o de conjugar os conteúdos socialistas com as técnicas
jurídico-políticas que derivam da tradição liberal-democrática.
Confirmando
também aqui a consolidada diferença entre culturas socialistas e comunistas
anteriormente mencionada, é completamente diferente a forma como é proposto o
problema na literatura marxista que rejeita o "Socialismo real".
Citamos, por exemplo, a introdução de R. Rossanda num congresso de 1977 sobre
as "sociedades pós-revolucionárias": "Se se trata de formações
sociais, então a luta é entre poderes e seus
sistemas de compensação. . . Se se trata de formações capitalistas de tipo
novo. . . então a questão não está numa exortação à democracia e aos direitos civis.
Está na retomada da luta de classes nestes países".
Os problemas
mencionados se tornam ainda mais urgentes desde que, na década de 70, ambos os modelos
de Socialismo entram em crise: o Welfare State, promovido pelas
social-democracias, não consegue manter suas promessas diante da crise econômica:
o "Socialismo real", por sua vez, é obrigado a contar cada vez mais
com seus aparelhos militares para manter o Status quo. Nem é possível afirmar
que o propósito de alguns partidos comunistas ocidentais de elaborar uma
"terceira via" eurocomunista tenha até agora esboçado um modelo alternativo
suficientemente definido de Socialismo (v. também EUROCOMUNISMO).
Outra ordem de
problemas concerne ao âmbito da validade possível de qualquer modelo
socialista. O INTERNACIONALISMO (V.) substancialmente eurocêntrico do século
passado já foi abandonado na fundamentação da Internacional leninista que
tentou, pelo menos em princípio, unir, sob o signo do antiimperialismo, a luta
do proletariado nos países industriais, a aspiração à independência dos povos oprimidos
dos países coloniais e a defesa da URSS como "pátria do Socialismo".
A recente evolução do Socialismo demonstrou, de forma cada vez mais evidente, o
peso das histórias nacionais, da diversidade das situações econômicas, da
pluralidade das tradições culturais e das ideologias. Após a Segunda Guerra
Mundial, ao lado dos modelos apresentados pelas social-democracias européias e
pelo Socialismo soviético, se delinearam as realidades dos Estados de nova
independência do Terceiro Mundo que, embora adotando o Socialismo, têm
perseguido o objetivo da modernização através dos instrumentos do partido
único, do fortalecimento das elites burocráticas e militares, da integração das
massas com base no tradicionalismo cultural e religioso. No mundo comunista, ao
Socialismo soviético se contrapuseram,
além disso, o
Socialismo da Iugoslávia, fundado na AUTOGESTÃO (V.), e o radicalismo comunista
da China (v. também MAOÍSMO).. A teoria das "vias nacionais para o
Socialismo" (aceita como princípio também pela União Soviética, mas corrigida
em 1968 pela tese da "soberania limitada" dos Estados socialistas do próprio
bloco) toma ciência desta situação, mas deixa em aberto o problema do
internacionalismo e dos modos de uma ação comum entre Socialismos fortemente
divergentes e, às vezes, abertamente contrastantes.
Alfio Bogdan
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