De costas para o Brasil: o colapso da mídia
conservadora chegou antes da falência do país, vaticinada há mais de uma década
pelo seu jornalismo. ((*))
BIG BROTHER
Edward Snowden, o agente da CIA, de 29 anos, que denunciou a vigilância permanente de todo o sistema de comunicação dos EUA, deu materialidade ao que já se desconfiava. Ou se temia que fosse possível um dia: o estado policial dotado de grandes olhos capazes de bisbilhotar todas as dimensões da vida em sociedade. "O que a comunidade de inteligência está fazendo é olhar os números de telefone e a duração das chamadas. Eles não estão olhando nos nomes das pessoas, e não estão olhando o conteúdo, mas, estudando os assim chamados "metadados"; (assim) eles podem identificar algumas tendências. É impossível ter 100% de privacidade e 100% de segurança", tranquilizou o democrata Barack Obama.O que a denúncia sugere, porém, é um pouco mais que isso. Já vivemos em uma sociedade panóptica - metáfora emprestada do pai do utilitarismo inglês, Jeremy Bentham, cuja síntese filosófica está condensada em um projeto carcerário perfeito. Nele, as celas são distribuídas em torno de uma torre central, o panóptico, facilitando a vigilância ininterrupta sem que os presos possam enxergar a sentinela no interior do obelisco. A ubiqüidade do carcereiro invisível daria ao francês Michel Foucault (1926-1984), a inspiração para entender a exasperação do controle social no século XX. O panóptico não assegura apenas a disciplina do sistema. Ele o faz ao menor custo e com a máxima a eficiência: sua lógica consiste em aprisionar a subjetividade dos indivíduos tornando-os assim carcereiros de suas próprias vontades, pela força do medo.
(Carta
Maior;3ª feira, 11/06/2013)
09/06/2013 (*)
De costas para o Brasil
O colapso da mídia conservadora
chegou antes da falência do país, vaticinada há mais de uma década pelo seu
jornalismo.
O velho ‘passaralho’ sobrevoa algumas das principais redações que compõem o núcleo duro da oposição ao governo Dilma.
O velho ‘passaralho’ sobrevoa algumas das principais redações que compõem o núcleo duro da oposição ao governo Dilma.
Estadão, Abril, Folha, Valor
lideram a deriva de uma frota experiente na arte de sentenciar vereditos
inapeláveis sobre o rumo da Nação, enquanto o seu próprio vai à pique.
De bagres a pavões, cabeças experimentam o fio gelado da guilhotina dos custos nas grandes corporações.
A ‘descontinuidade’ de títulos, a supressão de cadernos, o emagrecimento das edições, o clamoroso empobrecimento da reportagem e o rapa nos borderôs dos freelas não deixam margem a dúvida.
De bagres a pavões, cabeças experimentam o fio gelado da guilhotina dos custos nas grandes corporações.
A ‘descontinuidade’ de títulos, a supressão de cadernos, o emagrecimento das edições, o clamoroso empobrecimento da reportagem e o rapa nos borderôs dos freelas não deixam margem a dúvida.
O setor vive uma de suas mais
graves crises, da qual o leitor só tem notícia pela qualidade declinante do
produto.
Enquanto uiva e torce pela espiral descendente da economia, de olho em 2014, a mídia alivia (suprime?) a discussão da efetiva, ostensiva e acelerada decadência em seu metabolismo.
Enquanto uiva e torce pela espiral descendente da economia, de olho em 2014, a mídia alivia (suprime?) a discussão da efetiva, ostensiva e acelerada decadência em seu metabolismo.
Murmúrios escapam de quando em
vez, como na coluna domingueira da ombudsman da Folha, Suzana Singer.
Informa-se ali que o veículo cuja manchete saliva sobre os sete pontos de queda de Dilma na corrida presidencial demitiu 24 pessoas apenas na última semana.
Não só.
Informa-se ali que o veículo cuja manchete saliva sobre os sete pontos de queda de Dilma na corrida presidencial demitiu 24 pessoas apenas na última semana.
Não só.
Sepultou o Caderno Equilíbrio
(que já rastejava há meses) e agora persegue a receita de “um jornal menor, mas
mais sofisticado para fazer frente às informações gratuitas oferecidas na internet”.
Duas observações são
obrigatórias.
O veículo dos Frias avoca a
suavização de um fracasso com base na mudança sistêmica que apertou as
turquesas da concorrência contra o modelo tradicional de jornalismo
Mitigação equivalente é sonegada ao governo e ao país, submetidos aos constrangimentos de um mundo que se liquefaz na desordem neoliberal.
Mitigação equivalente é sonegada ao governo e ao país, submetidos aos constrangimentos de um mundo que se liquefaz na desordem neoliberal.
Número dois: antigamente, a
expressão ‘menor, mas mais sofisticado’, uma variante do surrado ‘ fazer mais
com menos’, era sinônimo de arrocho e superexploração.
A transição tecnológica da Internet talvez não explique integralmente a corrosão edulcorada nos velhos chavões patronais.
Corporações que fazem água nesse momento não são entes genéricos; não praticam qualquer jornalismo, não reportam qualquer país, tampouco adernam num ambiente atemporal.
Uma singularidade precisa ser reposta: o jornalismo dominante virou as costas ao país na última década.
Se a tecnologia envelheceu o suporte, o conservadorismo esférico, traduzido em antipetismo obsessivo, mumificou a pauta.
A saturação da narrativa antecedeu o esgotamento do meio.
Ao ocupar diariamente suas páginas com a reprodução da mesma matéria --'o fracasso do Brasil', as corporações contraíram um vírus fatal ao seu negócio: o da previsibilidade.
Há quanto tempo as manchetes, colunas e reportagens disparadas do bunker dos Frias deixaram de surpreender o leitor?
Existe algum motivo para ler amanhã um jornal que hoje tem a frase seguinte antecipada na anterior? E na anterior da anterior e assim sucessivamente?
A transição tecnológica da Internet talvez não explique integralmente a corrosão edulcorada nos velhos chavões patronais.
Corporações que fazem água nesse momento não são entes genéricos; não praticam qualquer jornalismo, não reportam qualquer país, tampouco adernam num ambiente atemporal.
Uma singularidade precisa ser reposta: o jornalismo dominante virou as costas ao país na última década.
Se a tecnologia envelheceu o suporte, o conservadorismo esférico, traduzido em antipetismo obsessivo, mumificou a pauta.
A saturação da narrativa antecedeu o esgotamento do meio.
Ao ocupar diariamente suas páginas com a reprodução da mesma matéria --'o fracasso do Brasil', as corporações contraíram um vírus fatal ao seu negócio: o da previsibilidade.
Há quanto tempo as manchetes, colunas e reportagens disparadas do bunker dos Frias deixaram de surpreender o leitor?
Existe algum motivo para ler amanhã um jornal que hoje tem a frase seguinte antecipada na anterior? E na anterior da anterior e assim sucessivamente?
A recusa em discutir os reais
problemas do desenvolvimento brasileiro – que existem e são sérios –, o veto às
soluções que escapam à estreiteza de seu receituário, erigiu a sólida base de
irrelevância desse jornalismo, esmagando-o nos limites de um universo leitor
incapaz de sustenta-lo.
O golpe de misericórdia
tecnológico, no caso brasileiro, talvez seja apenas isso.
Uma gota d’água adicional em um
galeão perfurado de morte pelo seu próprio peso.
Se o objeto em questão parece
irremediavelmente comprometido, cabe à mídia progressista ocupar o seu espaço
erigindo-se em uma verdadeira caixa de ressonância dos grandes debates do
desenvolvimento nacional.
Não há mandato cativo na história.
Não há mandato cativo na história.
Essa função será desempenhada
pela comunicação que souber contornar o vírus da irrelevância tendo como norte
a certeza de que as ideias só se renovam e pertencem ao mundo através da ação.
(*) Texto retificado em
10/06 às 21h51 para suprimir a palavra 'bacilo', erroneamente associada a
vírus. São microorganismos distintos
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