segunda-feira, 10 de junho de 2013

O que seremos diante do olho grande?

De costas para o Brasil: o colapso da mídia conservadora chegou antes da falência do país, vaticinada há mais de uma década pelo seu jornalismo. ((*))

BIG BROTHER
Edward Snowden, o agente da CIA, de 29 anos, que denunciou a vigilância permanente de todo o sistema de comunicação dos EUA, deu materialidade ao que já se desconfiava. Ou se temia que fosse possível um dia: o estado policial dotado de grandes olhos capazes de bisbilhotar todas as dimensões da vida em sociedade. "O que a comunidade de inteligência está fazendo é olhar os números de telefone e a duração das chamadas. Eles não estão olhando nos nomes das pessoas, e não estão olhando o conteúdo, mas, estudando os assim chamados "metadados"; (assim) eles podem identificar algumas tendências. É impossível ter 100% de privacidade e 100% de segurança", tranquilizou o democrata Barack Obama.O que a  denúncia sugere, porém, é um pouco mais que isso. Já vivemos em uma sociedade panóptica - metáfora emprestada do pai do utilitarismo inglês, Jeremy Bentham, cuja  síntese filosófica está condensada em um projeto carcerário perfeito. Nele, as celas são distribuídas em torno de uma torre central, o panóptico, facilitando a vigilância ininterrupta sem que os presos possam enxergar a sentinela no interior do obelisco. A ubiqüidade do carcereiro invisível daria ao francês Michel Foucault (1926-1984), a inspiração para entender a exasperação do controle social no século XX. O panóptico não assegura apenas a disciplina do sistema. Ele o faz ao menor custo e com a máxima a eficiência: sua lógica consiste em aprisionar a subjetividade dos indivíduos tornando-os assim carcereiros de suas próprias vontades, pela força do medo.
(Carta Maior;3ª feira, 11/06/2013)

09/06/2013 (*)
De costas para o Brasil
O colapso da mídia conservadora chegou antes da falência do país, vaticinada há mais de uma década pelo seu jornalismo.

O velho ‘passaralho’ sobrevoa algumas das principais redações que compõem o núcleo duro da oposição ao governo Dilma.
Estadão, Abril, Folha, Valor lideram a deriva de uma frota experiente na arte de sentenciar vereditos inapeláveis sobre o rumo da Nação, enquanto o seu próprio vai à pique.

De bagres a pavões, cabeças experimentam o fio gelado da guilhotina dos custos nas grandes corporações.

A ‘descontinuidade’ de títulos, a supressão de cadernos, o emagrecimento das edições, o clamoroso empobrecimento da reportagem e o rapa nos borderôs dos freelas não deixam margem a dúvida.
O setor vive uma de suas mais graves crises, da qual o leitor só tem notícia pela qualidade declinante do produto.

Enquanto uiva e torce pela espiral descendente da economia, de olho em 2014, a mídia alivia (suprime?) a discussão da efetiva, ostensiva e acelerada decadência em seu metabolismo.
Murmúrios escapam de quando em vez, como na coluna domingueira da ombudsman da Folha, Suzana Singer.

Informa-se ali que o veículo cuja manchete saliva sobre os sete pontos de queda de Dilma na corrida presidencial demitiu 24 pessoas apenas na última semana.

Não só.
Sepultou o Caderno Equilíbrio (que já rastejava há meses) e agora persegue a receita de “um jornal menor, mas mais sofisticado para fazer frente às informações gratuitas oferecidas na internet”.
Duas observações são obrigatórias.
O veículo dos Frias avoca a suavização de um fracasso com base na mudança sistêmica que apertou as turquesas da concorrência contra o modelo tradicional de jornalismo

Mitigação equivalente é sonegada ao governo e ao país, submetidos aos constrangimentos de um mundo que se liquefaz na desordem neoliberal.
Número dois: antigamente, a expressão ‘menor, mas mais sofisticado’, uma variante do surrado ‘ fazer mais com menos’, era sinônimo de arrocho e superexploração.

A transição tecnológica da Internet talvez não explique integralmente a corrosão edulcorada nos velhos chavões patronais.

Corporações que fazem água nesse momento não são entes genéricos; não praticam qualquer jornalismo, não reportam qualquer país, tampouco adernam num ambiente atemporal.

Uma singularidade precisa ser reposta: o jornalismo dominante virou as costas ao país na última década.

Se a tecnologia envelheceu o suporte, o conservadorismo esférico, traduzido em antipetismo obsessivo, mumificou a pauta.

A saturação da narrativa antecedeu o esgotamento do meio.

Ao ocupar diariamente suas páginas com a reprodução da mesma matéria --'o fracasso do Brasil', as corporações contraíram um vírus fatal ao seu negócio: o da previsibilidade.

Há quanto tempo as manchetes, colunas e reportagens disparadas do bunker dos Frias deixaram de surpreender o leitor?

Existe algum motivo para ler amanhã um jornal que hoje tem a frase seguinte antecipada na anterior? E na anterior da anterior e assim sucessivamente?
A recusa em discutir os reais problemas do desenvolvimento brasileiro – que existem e são sérios –, o veto às soluções que escapam à estreiteza de seu receituário, erigiu a sólida base de irrelevância desse jornalismo, esmagando-o nos limites de um universo leitor incapaz de sustenta-lo.
O golpe de misericórdia tecnológico, no caso brasileiro, talvez seja apenas isso.
Uma gota d’água adicional em um galeão perfurado de morte pelo seu próprio peso.
Se o objeto em questão parece irremediavelmente comprometido, cabe à mídia progressista ocupar o seu espaço erigindo-se em uma verdadeira caixa de ressonância dos grandes debates do desenvolvimento nacional.

Não há mandato cativo na história.
Essa função será desempenhada pela comunicação que souber contornar o vírus da irrelevância tendo como norte a certeza de que as ideias só se renovam e pertencem ao mundo através da ação.
(*) Texto retificado em 10/06 às 21h51 para suprimir a palavra 'bacilo', erroneamente associada a vírus. São microorganismos distintos

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