sábado, 19 de outubro de 2013

Falando de Anarquismo

NASCIMENTO E PRIMEIRO DESENVOLVIMENTO DO ANARQUISMO. — O espírito libertário ou, por outras palavras, o anseio pela liberdade absoluta, é próprio de todas as épocas históricas. Pode-se até afirmar que o Anarquismo se apresentou com semblantes heterogêneos desde a antigüidade clássica, acompanhando, de vários modos, o desenvolvimento sócio-cultural

A história dá-nos três formas diferenciadas da manifestação do fenômeno: 

a) em primeiro lugar existe a manifestação de um Anarquismo a nível puramente intelectual, em autores de excepcional ou insignificante relevo que se tornaram críticos da autoridade política do seu tempo e que discutiram a eventualidade de construir uma sociedade antiautoritária ou, pelo menos, autoritária.
Muitas vezes, mas não sempre, a apresentação de concepções libertárias coincidiu com propostas genericamente definidas como utopistas; 
b) em segundo lugar, a aspiração anárquica está ligada a afirmações de tom mais ou menos vagamente religioso. Entram, neste âmbito, todos os apelos milenarísticos de uma sociedade perfeita, onde a meditação entre o humano e o divino não precisaria de particulares supra-estruturas autoritárias e onde, mediante a eliminação destas, a sociedade perfeita poderia verificar-se imediatamente; 
c) finalmente, as duas manifestações apontadas, intelectualística uma e fideística outra, foram colocadas freqüentemente em confronto em movimentos efetivos de tipo social, geralmente rebeldes, os quais, em ocasiões históricas específicas, congregavam numerosas forças sociais, particularmente do setor agrícola, sob a forma de protesto coletivo e contestador das autoridades políticas e das estruturas sociais existentes. 

Basta pensar nas freqüentes revoltas medievais dos camponeses da Grã-Bretanha para chegarem às posições libertárias, do movimento dos cavadores (diggers) na revolução do século XVII ou nas revoltas dos camponeses alemães liderados por Thomas Munzer rebelados contra os príncipes ou, finalmente, em numerosas expressões extremas de movimentos anabatistas. As concepções libertárias só tiveram um desfecho irrevogável no mundo político do século XVIII, como primeira forma de reação e de união simultânea em relação ao racionalismo iluminista, provocando e aprofundando a discussão sobre o conceito de autoridade. 

Esta — e o exemplo iluminista é exatamente o de Rousseau — é acolhida no campo político, mas posteriormente limitada e rejeitada no plano individual. A contradição ideal presente nessa relação mantém-se intacta se bem que levada a um plano de luta política efetiva, no curso da Revolução Francesa. Nesta, o grupo jacobino, partidário maior dos princípios da autoridade e da centralização, produziu, em seu seio, forças contestadoras e libertárias, tais como, por exemplo, os enragés (os enraivecidos) assim como, no final do ciclo revolucionário, alguns expoentes de primeiro plano da conspiração babuvista pela igualdade.
A continuar.
Alfio Bogdan
Fonte: Norberto Bobbio. 



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