NASCIMENTO E PRIMEIRO
DESENVOLVIMENTO DO ANARQUISMO. — O espírito
libertário ou, por outras palavras, o anseio pela liberdade absoluta, é próprio
de todas as épocas históricas. Pode-se até afirmar que o Anarquismo se
apresentou com semblantes heterogêneos desde a antigüidade clássica,
acompanhando, de vários modos, o desenvolvimento sócio-cultural.
►A história dá-nos
três formas diferenciadas da manifestação do fenômeno:
a) em primeiro lugar
existe a manifestação de um Anarquismo a nível puramente intelectual, em
autores de excepcional ou insignificante relevo que se tornaram críticos da
autoridade política do seu tempo e que discutiram a eventualidade de construir
uma sociedade antiautoritária ou, pelo menos, autoritária.
Muitas vezes, mas não sempre, a apresentação de concepções
libertárias coincidiu com propostas genericamente definidas como utopistas;
b)
em segundo lugar, a aspiração anárquica
está ligada a afirmações de tom mais ou menos vagamente religioso. Entram,
neste âmbito, todos os apelos milenarísticos de uma sociedade perfeita, onde a meditação
entre o humano e o divino não precisaria de particulares supra-estruturas
autoritárias e onde, mediante a eliminação destas, a sociedade perfeita poderia
verificar-se imediatamente;
c) finalmente, as duas manifestações apontadas,
intelectualística uma e fideística outra, foram colocadas freqüentemente em confronto
em movimentos efetivos de tipo social, geralmente rebeldes, os quais, em
ocasiões históricas específicas, congregavam numerosas forças sociais, particularmente
do setor agrícola, sob a forma de protesto coletivo e contestador das
autoridades políticas e das estruturas sociais existentes.
Basta pensar nas freqüentes
revoltas medievais dos camponeses da Grã-Bretanha para chegarem às posições
libertárias, do movimento dos cavadores (diggers) na revolução do século XVII
ou nas revoltas dos camponeses alemães liderados por Thomas Munzer rebelados
contra os príncipes ou, finalmente, em numerosas expressões extremas de
movimentos anabatistas. As concepções libertárias só tiveram um desfecho irrevogável
no mundo político do século XVIII, como primeira forma de reação e de união simultânea
em relação ao racionalismo iluminista, provocando e aprofundando a discussão
sobre o conceito de autoridade.
Esta — e o exemplo iluminista é exatamente o de
Rousseau — é acolhida no campo político, mas posteriormente limitada e
rejeitada no plano individual. A contradição ideal presente nessa relação
mantém-se intacta se bem que levada a um plano de luta política efetiva, no
curso da Revolução Francesa. Nesta, o grupo jacobino, partidário maior dos
princípios da autoridade e da centralização, produziu, em seu seio, forças
contestadoras e libertárias, tais como, por exemplo, os enragés (os enraivecidos)
assim como, no final do ciclo revolucionário, alguns expoentes de primeiro
plano da conspiração babuvista pela igualdade.▲
A continuar.
Alfio Bogdan
Fonte: Norberto Bobbio.
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