quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Afastamento de Dilma é hipocrisia como jamais houve no Brasil

Quem não aceita ver golpe partidário na construção do impeachment de Dilma Rousseff pode ainda admitir, para não se oferecer a qualificações intelectual ou politicamente pejorativas, que o afastamento da presidente se faz em um estado de hipocrisia como jamais houve por aqui.
†≫–O golpe de 64 dizia-se "em defesa da democracia", é verdade. Mas o cinismo da alegação não resistia à evidência dos tanques na rua, às perseguições e prisões nem aos crimes constitucionais (todos os militares do golpe haviam jurado fidelidade à Constituição que acabavam de trair: sem exceção, perjuros impunes). Todos os golpes tentados ou consumados antes, incluída a Proclamação da República, tiveram na formação aquele mesmo roteiro, com diferença de graus. A força das armas desmoralizava a hipocrisia das palavras.
†≫–Os militares, hoje, não são mais que uma lembrança do que foi a maior força política do país ao longo de todo o século 20. Ao passo em que a política afunda na degeneração progressiva, nos últimos 20 anos os militares evoluíram para a funcionalidade o mais civilizada possível no militarismo ocidental. A aliança de civis e militares no golpismo foi desfeita. A hipocrisia do lado civil não tem mais quem a encubra, ficou visível e indisfarçável.
†≫–Há apenas cinco dias, Michel Temer fez uma conceituação do impeachment de Dilma Rousseff. A iludida elegância das suas mesóclises e outras rosquinhas faltou desta vez (ah, que delícia seria ouvir Temer e Gilmar Mendes no mesoclítico jantar que tiveram), mas valeu a espontaneidade traidora. Disse ele que o impeachment de Dilma Rousseff é uma questão "política, não de avaliação jurídica deles", senadores. Assim tem sido, de fato. Desde antes de instaurados na Câmara os procedimentos a respeito: a própria decisão de iniciá-los, devida à figura única de Eduardo Cunha, foi política, ainda que por impulso pessoal.
†≫–Todo o processo do impeachment é, portanto, farsante. Como está subentendido no que diz o principal conspirador e maior beneficiado com o afastamento de Dilma. Porque só seria processo autêntico e legítimo o que se ocupasse de avaliação jurídica, a partir da Constituição, de fatos comprovados. Por isso mesmo refere-se a irregularidades, crimes, responsabilidade. E é conduzido pelo presidente, não de um partido ou de uma Casa do Congresso, mas do Supremo Tribunal Federal.
†≫–As 441 folhas do relatório do senador Antonio Anastasia não precisariam de mais de uma, com uma só palavra, para expor a sua conclusão política: culpada. O caráter político é que explica a inutilidade, para o senador aecista e seu calhamaço, das perícias técnicas e pareceres jurídicos (inclusive do Ministério Público) que desmentem as acusações usadas para o impeachment.
†≫–Do primeiro ato à conclusão de Anastasia, e até o final, o processo político de impeachment é uma grande encenação. Uma hipocrisia política de dimensões gigantescas, que mantém o Brasil em regressão descomunal, com perdas só recompostas, se o forem, em muito tempo –as econômicas, porque as humanas, jamais.
†≫–E ninguém pagará por isso. Muito ao contrário
Jânio de Freitas na Folha de S.Paulo
Alfio Bogdan - Físico e Professor 

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