POR AFRÂNIO SILVA
JARDIM, professor associado de Direito Processual Penal da UERJ
≪"Para
que o juiz Sérgio Moro tenha a sua competência prorrogada, para processar e
julgar supostos crimes consumados em São Paulo, não basta que estes supostos
delitos “TENHAM LIGAÇÕES COM AS FRAUDES PRATICADAS CONTRA A PETROBRÁS”.
Acho
até mesmo que estas “ligações” não existem, mas o que vai nos ocupar agora é
outra questão processual: pode a competência de foro do Estado de São Paulo ser
subtraída em prol do juiz Sérgio Moro???
Pelo
nosso sistema processual penal, a ampliação da competência de foro ou juízo
pressupõe a existência de conexão entre as infrações, a fim de que haja unidade
de processo e julgamento. São questões jurídicas e que estão tratadas
expressamente no Código de Processo Penal.
Direito
não é para leigos, principalmente se são jornalistas a serviço de um trágico "punitivismo".
Desta
forma, cabe realçar que, para que o juiz Sergio Moro tenha competência para os
três processos em que o ex-presidente figura como réu, se faz necessário que
fique claro que os supostos crimes ocorridos no Estado de São Paulo são conexos
com o “crime-mãe” da competência do juiz Sérgio Moro, bem como que este delito
poderia atrair para a sua competência os demais crimes conexos, consumados em
locais diversos.
Vejamos quando ocorrerá a conexão, segundo previsão legal (Código de Processo Penal):
(...)
“Art.
76. A competência será determinada pela conexão: (na verdade, trata-se de
modificação por prorrogação de competência)
I – se,
ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por
várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o
tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II – se,
no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as
outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III –
quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias
elementares influir na prova de outra infração.”
Ora,
diante do que está disposto na lei processual, não basta que um suposto crime
tenha alguma “ligação com os crimes contra a Petrobrás”. Para que seja
subtraída a competência do foro de São Paulo se faz absolutamente necessária a
presença de uma das hipóteses de conexão acima transcritas.
Por
outro lado, se o “primitivo” delito – o que teria força para atrair os delitos
conexos – já foi objeto de julgamento de mérito, não faz mais sentido subtrair
a competência do foro de São Paulo, pois NÃO HAVERÁ possibilidade de UNIDADE DE
PROCESSO E JULGAMENTO dos crimes conexos, escopo que levaria à prorrogação da
competência do juiz Sérgio Moro.
Sobre
este tema, vejam o nosso anterior texto, publicado em nossa coluna do site
Empório do Direito: http://emporiododireito.com.br/…/a-clara-e-evidente-incompe…
Ademais,
a competência da justiça federal está toda ela prevista na Constituição da
República e não pode ser ampliada pelas regras do Código de Processo Penal,
nada obstante uma equivocada súmula do S.T.J. A toda evidência, a Constituição
Federal não pode ser modificada pela lei ordinária (Cod. Proc. Penal), salvo
quando ela expressamente o autoriza, quando dispõe, por exemplo, sobre a
competência penal eleitoral : “crimes eleitorais e os conexos”.
Por
último, importa ressaltar que o critério constitucional para a fixação da competência
da justiça federal é a titularidade do bem jurídico tutelado pela norma penal
incriminadora. A Petrobrás é uma sociedade empresária de direito privado
(sociedade de economia mista). Vejam o que dispõe o art.109 da Constituição
Federal:
“Art.
109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV –
os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens,
serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas
públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça
Militar e da Justiça Eleitoral;”
Desta
forma, não prospera a assertiva do juiz Sérgio Moro, em sua sentença
condenatória, de que o réu Lula exercia o relevante cargo de Presidente da
República. Primeiro porque, quando do evento do apartamento “Triplex”, ele já
não era Presidente há muito tempo; segundo, porque o critério da Constituição
não é “intuito personae”, vale dizer, não está relacionado com o cargo ou
função do suposto autor ou partícipe do delito.
Enfim,
além do suposto crime atribuído ao ex-presidente Lula não ter ligação com os
crimes praticados por empresários, diretores e gerentes da Petrobrás S.A., em
face dos quais não há qualquer participação do ex-presidente com relevância
jurídica, efetivamente não está presente nenhuma das hipóteses legais de
conexão.
Entretanto,
mesmo que houvesse tal “ligação”, há várias outras hipóteses legais e
constitucionais que impedem a subtração da competência do foro de São Paulo, em
razão da absurda ampliação da competência do juiz Sérgio Moro.
Desta
forma, de duas uma: ou a grande imprensa está de má-fé ou é totalmente leviana
e descuidada, pois teria de consultar um jurista para depois fazer as
irresponsáveis considerações. Lamentável.
Independentemente
das concepções políticas ou ideológicas da cada um, é preciso que os operadores
jurídicos tenham boa-fé na interpretação e aplicação do Direito, bem como não
se afastem da indispensável honestidade intelectual."≫
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