Socialismo segundo Norberto Bobbio
A base comum das múltiplas variantes
do Socialismo pode ser identificada na transformação
substancial do ordenamento jurídico e econômico fundado na propriedade privada
dos meios de produção e troca, numa
organização social na qual: a) o direito de propriedade seja fortemente
limitado; b) os principais recursos econômicos estejam sob o controle das classes
trabalhadoras; c) a sua gestão tenha por objetivo promover a igualdade social
(e não somente jurídica ou política), através da intervenção dos poderes
públicos. ►O
termo e o conceito de Socialismo andam unidos desde a origem com os de
COMUNISMO (V.), numa relação mutável que ilustraremos sinteticamente.
Embora tenham sido usadas às
vezes para designar, por exemplo, o contratualismo por escritores italianos do
século XVIII e do início do XIX (F.
Facchinei, A. Buonafede, G. Giuliani), |►as palavras "socialismo" e
"socialista" adquiriram seu sentido moderno nos programas de
cooperação entre os operários e nos de gestão comum dos meios de produção propugnados
pelos owenianos na segunda metade da década de 1820-1830, sendo,
em seguida, largamente empregados, neste sentido na década seguinte, na Inglaterra
e na França: o órgão oweniano "The New Moral World" admitia a
expressão "organ of socialism" em fim de 1836; em 1841, R. Owen escrevia
o opúsculo O
que é o Socialismo? E o sansimoniano P. Leroux contrapunha o
Socialismo ao individualismo no artigo sobre o individualismo e o Socialismo,
publicado em 1833, na "Revue enciclopédique"; nos mesmos anos
"Socialismo" era usado pelos fourieristas como sinônimo de
"escola societária". Em 1835, o estudioso francês L. Reybaud publicava
na "Revue des deux mondes" uma série de artigos, reunidos depois sob
o título Estudos sobre reformadores ou socialistas modernos (Paris, 1842- 1843),
e o alemão L. von Stein publicava em 1842, em Leipzig, Socialismo e comunismo
na França de hoje, uma obra que, embora crítica em relação às doutrinas socialistas,
contribuía notavelmente para a sua difusão na Alemanha. No fim da década de
1830 começava a ser usado na França, por E. Cabet e outros, o termo "comunismo"
como equivalente a "Socialismo" ou a "comunitarismo". Mas na década de
1840, as palavras "comunismo" e "Socialismo" acabaram, pelo
menos em parte, por indicar variações diversas do movimento que denunciava as
condições dos operários no desenvolvimento da sociedade industrial, se opunha ao
liberalismo político e econômico e ao individualismo, apresentava um projeto de
uma reconstrução da sociedade em bases comunitárias e promovia formas associativas
de vário gênero (sindicais, políticas, experiências cooperativistas e comunitárias)
para realizar as novas idéias.
Prova desta divergência de
significados é a declaração de F. Engels no prefácio ao Manifesto do partido
comunista, escrita para a edição inglesa de 1888 (e repetida com palavras quase
idênticas na edição alemã de 1890): "Em 1847, se apontavam como socialistas,
de um lado, os seguidores de diversos sistemas utópicos: discípulos de Owen na Inglaterra,
de Fourier na França, uns e outros já reduzidos ao estado de simples seitas em
vias de gradual extinção; de outro lado, os charlatanismos sociais mais diversos.
.. em ambos os casos, tratava-se de homens alheios ao movimento operário que procuravam
mais que tudo o apoio das classes 'instruídas'. Toda a fração da classe
operária que se tinha convencido da
insuficiência das revoluções unicamente
políticas e proclamara a necessidade de uma transformação geral da sociedade,
se dizia comunista. Era um tipo de comunismo grosseiro, apenas esboçado, puramente
instintivo; visava, todavia, ao essencial e teve força suficiente entre a classe
operária para dar origem ao comunismo utópico, ao de Cabet na França e ao de
Weitling na Alemanha.
Portanto, em 1847, o Socialismo
era um movimento burguês, o comunismo um movimento da classe operária".
Afastada, com o fracasso da
revolução de 1848, a possibilidade de pôr em prática os programas socialistas,
na segunda metade do século XIX, a contraposição de significados entre "Socialismo"
e "comunismo" perdeu importância: o problema principal era o de
constituir organizações operárias autônomas e de obter para elas o
reconhecimento dos direitos elementares de associação e de imprensa, a ampliação
do direito de voto para além dos limites consitários dos ordenamentos liberais,
o direito à greve e à contratação sindical. "Associação internacional dos
trabalhadores" se chamou à Primeira Internacional, fundada em 1864, e
partidos "operários", "socialistas",
"social-democráticos", "laboristas", às organizações
políticas dos trabalhadores que surgiram, em bases nacionais, a partir dos anos
de 1870 e se coligaram através da Segunda Internacional, nascida em 1889.
Com a desintegração da frente
socialista na Primeira Guerra Mundial e a revolução de 1917 na Rússia, o
contraste entre "Socialismo" e "comunismo" foi reatualizado
pelo leninismo: o partido bolchevique assumiu a denominação de Partido Comunista
(bolchevique) em 1918, invocando polemicamente o
conteúdo revolucionário original
do Manifesto e o rompimento com as posições reformistas majoritárias nos
partidos socialistas europeus.
Alfio Bogdan
Nenhum comentário:
Postar um comentário