sábado, 2 de março de 2013

A Arte de JB no dito mensalão

Parte II _ Raimundo Rodrigues Pereira um dos melhores jornalistas brasileiros.


|--> A licitação teria sido, ainda, julgada por critérios subjetivos, entre os quais o preconceito da comissão licitante contra uma das concorrentes, a empresa Ogilvy, por ela ter adquirido a Denison Propaganda, vencedora de licitação semelhante realizada em 2001, quando o presidente da Câmara era Aécio Neves (PSDB-MG). No segundo documento, de outubro, Alexis analisa sete de 52 processos de compra de serviços conduzidos pela SMP&B através de tomada de preços entre três fornecedores para cada compra e diz ter encontrado neles inúmeros sinais de irregularidade, entre os quais: a presença de empresas de existência duvidosa; a falsificação de propostas de serviços para simular concorrência; a introdução de elementos estranhos em pesquisa de opinião pública, com perguntas que citavam o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu e o próprio presidente da Câmara, João Paulo Cunha; e, finalmente, a falta de comprovação da veiculação de anúncios em 76 jornais do interior. Nesse segundo documento, Alexis faz também a avaliação que, depois, o ministro Barbosa usaria com, digamos, uma ênfase exagerada. Alexis diz que a SMP&B não tinha feito praticamente nada: 99,9% dos serviços do contrato teriam sido terceirizados. Barbosa multiplicou isso por, como diriam os matemáticos, 10-1 (10 à potência menos 1): em vez de a agência ter feito apenas 0,1%, um décimo por cento dos serviços, teria feito apenas 0,01%, um centésimo por cento dos serviços.
|--> Alexis entregou esse segundo relatório com Severino já fora do comando da Casa, depois da posse de Aldo Rebelo, a 28 de setembro de 2005. Logo a seguir, a revista Época, semanário das Organizações Globo, de 28 de novembro publica matéria dizendo que Alexis havia entregado, ao novo presidente, carta de renúncia a seu mandato na Secin, que só terminaria em 2006. Seu relatório é, visivelmente, a base da matéria, que diz haver “fraudes e mais fraudes” no contrato em discussão. Tudo indica, no entanto, que Alexis nem chegou a ser efetivamente secretário de Controle Interno da Câmara. O deputado Cunha pretende entrar com um embargo ao acórdão a ser publicado pelo STF com sua condenação, no qual declarará que o relatório de Alexis é nulo de pleno direito porque ele não foi nomeado efetivamente diretor da Secin. Foi indicado para o cargo por Severino, mas a nomeação não se consumou porque necessitava de aprovação dos outros integrantes da mesa da Câmara e isso não ocorreu. E, a despeito de Joaquim Barbosa dizer que o relatório de Alexis era de um colegiado, a investigação da Câmara não conseguiu esclarecer quem elaborou o relatório com ele, embora repetidamente lhe tenha pedido esses nomes. O relatório só tem a assinatura de Alexis, que alega ter sido isso uma decisão sua, para proteger de represálias os demais participantes.
O debate do relatório de Alexis continuou na Câmara após sua saída da Secin. No final de 2006, a Câmara decidiu instalar a CS já citada, que só começou a funcionar meio ano depois, como vimos. Enquanto isso não ocorria, a 9 de novembro, o Núcleo Jurídico da casa encaminhou o relatório de Alexis para os cinco membros da Comissão Especial que havia realizado a licitação do contrato. Num documento assinado por todos os cinco, essa comissão refutou as acusações ponto por ponto. No essencial, disse que o contrato era a cópia melhorada do que havia sido usado pela Câmara para a licitação que acabara resultando na contratação da agência de publicidade Denison em 2001, quando o presidente era o mineiro Aécio Neves. Esse contrato também previa o pagamento, por parte da Câmara, de três tipos de serviços a serem produzidos ou supervisionados pela agência: 1) os de criação própria de peças publicitárias; 2) os de supervisão de serviços de terceiros, que não os de veiculação de publicidade; e 3) os de veiculação de publicidade. Em relação à criação própria, a Câmara pagaria com base numa tabela de preços do Sindicato das Agências de Propaganda do Distrito Federal, e a SMP&B daria um desconto de 80% sobre o total. Sobre os serviços de terceiros, a agência receberia uma comissão de 5%. Quanto à veiculação de publicidade, dos descontos de 20% normalmente concedidos pelos veículos – TVs, jornais, revistas –, 5% seriam repassados à Câmara pela agência.
|--> Feitas as contas, como faria depois o ministro revisor da AP 470, Ricardo Lewandowski, no julgamento do caso, chega-se à conclusão de que os trabalhos da SMP&B, pelos termos do contrato, valeram: 948,3 mil reais pelo serviço de acompanhamento e planejamento da veiculação de publicidade; 129,5 mil reais pela comissão devida ao acompanhamento de serviços de terceiros; e 14,6 mil reais pelos trabalhos próprios de criação (veja as conclusões de Lewandowski no quadro com sua foto, nesta página). Por esse detalhamento feito pelo ministro revisor, fica evidente que a conta de Barbosa para chegar ao 0,01% implicou excluir os outros dois rendimentos aos quais a SMP&B tinha direito pelo contrato e considerar apenas os 14,6 mil reais. Foi uma contabilidade criativa, digamos, mas não muito honesta. Nos autos estava também, para comparação, o contrato feito antes, em 2001, pela Câmara, ganho pela agência Denison. Como deu um desconto de 100% nos trabalhos próprios, a Denison, pelo critério de Barbosa, não fez absolutamente nada.
No total, o valor dos serviços da SMP&B, por contrato, é de 1,09 milhão de reais, ou 11,32% do total de 10,7 milhões, como dizem Lewandowski e o TCU, e não 0,1%, como diz o relatório de Alexis, nem muito menos 0,01%, como disse Barbosa no seu frenesi acusatório. Os cinco membros da Comissão de Licitação afirmaram também que as eventuais fraudes na apresentação de propostas tinham sido encaminhadas para a Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados (PL-CD) e estavam sendo investigadas. A Secretaria de Comunicação Social da Câmara (Secom) tinha sido dirigida na gestão de Cunha por Márcio Araújo, também integrante da Comissão de Licitação e um dos principais responsáveis pelos problemas encontrados na licitação e aplicação do contrato, segundo Alexis. O setor jurídico da Câmara mobilizou, então, a nova direção da Secom, da gestão Rebelo, para responder às acusações de pagamentos feitos indevidamente. Eram várias. Uma se referia a campanha de cerca de 850 mil reais com anúncios de promoção das atividades da Câmara em 153 jornais, sendo 76 deles fora das capitais. Esse montante correspondia a 21% do valor total dos anúncios, mas seus comprovantes não tinham sido localizados e constava no relatório de Alexis a suspeita de que fossem falsos. Em meados de janeiro de 2006, no entanto, a nova Secom encontrou a grande maioria das comprovações e ficou faltando apenas uma dúzia delas.
Perto do final de 2006, a CS apresentou seu primeiro relatório. Resumiu toda a história: as alegações do relatório de Alexis, o exame que o então diretor da Secin fez nos contratos de compra de serviços e materiais e das veiculações de publicidade e as primeiras conclusões da 3ª Secex do TCU. E concluiu: 1) quanto à elaboração do edital: “nada” havia de desabonador; 2) quanto ao tipo de licitação, com base na chamada “melhor técnica”, que o relatório de Alexis considerara muito subjetivo: o tipo de melhor técnica, por se tratar de trabalho intelectual, era, de fato, o mais indicado, como já fora na licitação de 2001. Além disso, a SMP&B assumira o menor preço entre os apresentados por mais sete concorrentes; 3) e, quanto à avaliação das propostas de compra de serviços e materiais: “não encontrou nenhuma irregularidade administrativa”. Por fim, a conclusão da CS era que o processo deveria ser encerrado e os autos, arquivados.
A CS deixou aberta, no entanto, a questão da investigação de eventuais fraudes na apresentação de propostas para as compras de serviços e materiais, a despeito de todas as compras e serviços terem sido considerados realmente feitos. Para saber se as propostas falsas existiram e se teriam falseado a concorrência em um conluio de perdedores com ganhadores se deveria constituir uma nova Comissão de Sindicância. Aparentemente, a investigação, do ponto de vista da apuração do “mensalão”, o “crime histórico” do suposto desvio de dinheiro público para o PT, estava encerrada. Restavam malfeitos de detalhe numa concorrência como muitas outras. A apresentação de propostas falsas para simular concorrência não deveria ser tolerada, mas faria parte de outra investigação, menor. Possivelmente, é a aceitação da denúncia do “mensalão” pelo STF, em agosto de 2007, que leva à reinstalação da Comissão de Sindicância por mais seis períodos de dois meses cada, três no mandato de Arlindo Chinaglia (PT-SP) como presidente da Câmara (2007-2008) e mais três no de Michel Temer (2009-2010).
No entanto, como a CS foi praticamente a mesma, como se disse, o que ela faz é basicamente eliminar uma lista de problemas remanescentes, especialmente quanto às fraudes porventura existentes nas propostas perdedoras e os anúncios da campanha da Câmara publicados em jornais do interior cujos comprovantes ainda não tinham sido todos encontrados. Os trabalhos nesse período têm esse sentido e a CS resolve encerrá-los definitivamente no início de 2010, como citado. Faz, então, um balanço final dessas pendências: tinham sido analisados os 40 procedimentos de contratação de compras e serviços, impugnados, de modo geral, pelo relatório de Alexis. Os ganhadores dessas contratações tinham executado todos esses contratos e apresentado as notas fiscais correspondentes. À base de três propostas para cada contratação, eram 119 empresas – uma delas havia apresentado duas propostas. A CS oficia então a todas as 79 empresas perdedoras para saber se realmente tinham apresentado as propostas derrotadas e, assim, confirmar a existência, de fato, de concorrência. Resultado da consulta: 11 empresas não foram localizadas, 24 não mandaram resposta e 44 responderam, das quais 36 confirmaram as propostas em poder da comissão e seis não confirmaram.
Que mais a sindicância da Câmara deveria fazer? Já tinha concluído que a licitação vencida pela SMP&B fora benfeita e os serviços tinham sido executados sem que tivesse havido qualquer desvio de dinheiro público. Do ponto de vista do que deveria ser o objetivo central do STF, provar ou não se houve o famoso “mensalão” – em essência, o desvio de dinheiro público da Câmara para a compra de votos pelo PT –, o caso estava liquidado. A sindicância deveria prosseguir para apurar todos os eventuais malfeitos nas 40 contratações, para descobrir se os seis que negaram ter feito as propostas tinham sido substituídos por falsários e se os 35 que não foram localizados ou não responderam tinham, talvez, algo a esconder? Um exemplo de uma investigação dessas que foi bem longe sem qualquer resultado razoável foi feita num contrato de produção de textos para a primeira-secretaria da Câmara, na época ocupada pelo deputado Geddel Vieira Lima, vencido pela empresa GLT com uma proposta de 10 mil reais mensais e perdido pelas empresas Cogito e Agenda, que apresentaram propostas de 11 mil e 11,3 mil reais mensais, respectivamente.
O diligente Alexis diz, em depoimento de junho de 2008 à PL-CD, que teria sido avisado pelo TCU, logo após o início de sua investigação, de que a proposta da Cogito tinha sido assinada por uma funcionária da Câmara, o que implicaria uma contravenção penal. Afirma ainda que, por esse motivo, ouviu a funcionária e a encaminhou para exame grafotécnico depois de ela negar ter assinado o documento.
Essa investigação prosperou. Foi aberto um inquérito policial pela PL-CD e localizados os dirigentes das três empresas, que se submeteram a exame grafotécnico. Abriu-se também um inquérito na Polícia Federal (PF). Dois de seus agentes foram a Belo Horizonte para ouvir uma funcionária da SMP&B sobre o caso. Nos autos da investigação da Câmara, essa história desaparece depois que o dirigente da GLT, a empresa da proposta vencedora, não comparece para prestar depoimento e apresenta atestado médico creditando sua ausência ao fato de ter se submetido a operação de catarata. No entender do repórter, quem tentar ir mais longe no esclarecimento de eventuais malfeitos semelhantes, que possam ter existido no contrato SMP&B-Câmara, dizendo que faz isso para esclarecer o “mensalão”, confunde e não esclarece nada. Embora possa até pensar que está combatendo o desvio de dinheiro público para fins políticos escusos, na prática pode mesmo é estar desviando dinheiro público de atividades que poderiam ser concebidas de modo mais sensato.

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