O ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva concedeu entrevista exclusiva para o Jornal “Valor
Econômico”. Março de 2013.
Valor: Como está sua saúde?
|—> Luiz
Inácio Lula da Silva: Agora estou bem. Há um ano vou à fisioterapia todos os
dias às 6h da manhã. Minha perna agora está 100%. Estou com 84 quilos. É 12 a menos
do que já pesei, mas é oito a mais do que cheguei a ter. Não tem mais câncer,
mas a garganta leva um bom tempo para sarar. A fonoaudióloga diz que é como se
fosse a erupção de um vulcão. Tem uma pele diferenciada na garganta que leva
tempo para cicatrizar. Quando falo dá muita canseira na voz. Já tenho 67 anos.
Não é mais a garganta de uma pessoa de 30 anos.
Valor: O senhor deixou de fumar e beber?
Lula: Não dá mais porque irrita a garganta.
Valor: Dois anos e três meses depois do início do governo
Dilma, qual foi seu maior acerto e principal erro?
|—> Lula:
Quando deixei a Presidência, tinha vontade de dar minha contribuição para a
Dilma não me metendo nas coisas dela. E acho que consegui fazer isso quando
viajei 36 vezes depois de deixar o governo. Fiquei um ano imobilizado por causa
do câncer. Estou voltando agora por uma coisa mais partidária. Sinceramente
acho que no meu governo eu deixei muita coisa para fazer. Por isso foi importante
eleger a Dilma, para ela dar continuidade e fazer coisas novas. O Brasil nunca
esteve em tão boas mãos como agora. Nunca esse país teve uma pessoa que chegou
na Presidência tão preparada como a Dilma. Tudo estava na cabeça dela,
diferentemente de quando eu cheguei, de quando chegou Fernando Henrique
Cardoso. Você conhece as coisas muito mais teóricas do que práticas. E ela conhecia
por dentro. Por isso que estou muito otimista com o sucesso da Dilma e ela está
sendo aquilo que eu esperava dela. Foi um grande acerto. Tinha obsessão de
fazer o sucessor. Eu achava que o governante que não faz a sucessão é
incompetente.
Valor: A presidente baixou os juros, desonerou a economia,
reduziu tarifas de energia e apreciou o câmbio. Ainda assim não se nota
entusiasmo empresarial por seu governo ou sua reeleição. A que o senhor atribui
a insatisfação? Teme-se que esse governo não tenha uma política
anti-inflacionária tão firme ou é pela avaliação de que o governo Dilma seja
intervencionista?
|—> Lula:
Não creio que haja má vontade dos empresários com a presidente. Passamos por
algumas dificuldades em 2011 e 2012 em função das políticas de contração para
evitar a volta da inflação. Foi preciso diminuir um pouco o crédito e aí
complicou um pouco, mas Dilma tem feito a coisa certa. Agora tem conversado
mais com setores empresariais. Acho que os empresários brasileiros, e eu vivi
isso oito anos assim como Fernando Henrique também viveu, precisam compreender
que uma economia vai ter sempre altos e baixos. Não é todo dia que a orquestra
vai estar sempre harmônica. O importante é não perder de vista o horizonte
final. O Brasil está recebendo US$ 65 bilhões de investimento direto. Então não
dá para se ter qualquer descrença no Brasil nesse momento. Nunca os empresários
brasileiros tiveram tanto acesso a crédito com um juro tão baixo. Vamos supor
que a Dilma não tivesse a mesma disposição para conversar que eu tinha. Por
razões dela, sei lá. O dado concreto é que, de uns tempos para cá, a Dilma tem
colocado na agenda reuniões com empresários e partidos políticos.
Valor: Os empresários acham que ela é ideológica demais…
|—> Lula: O
que é importante
é que ela
não perde suas convicções ideológicas, mas não perde o senso prático
para governar o país. Ela não vai governar o país com ideologia.
Se alguém ainda aposta no fracasso da Dilma, pode começar a quebrar a cara. Ela
tem convicção do que quer. Esses dias liguei para ela e disse para tomar cuidado
para não passar dos 100%. Porque há espaço para ela crescer. Vai
acontecer muito mais coisa nesse país ainda. Não adianta torcer para não ter
sucesso. Não
há hipótese de o Brasil não dar certo.
Valor: A queixa é de que tudo que eles [os empresários]
precisam, têm que falar com a presidente, porque os ministros não têm autonomia
para decidir, ela não delega. É isso?
|—> Lula: Se
isso foi verdade, já acabou. Sinto, nos últimos meses, que a Dilma tem feito
muito mais reuniões. A pesquisa mostra que o governo vem crescendo. E os ajustes
vão acontecendo. É a primeira vez que a gente tem uma mulher no poder maior. O
papel dela não é tão fácil quanto o meu porque 99% das pessoas que recebia eram
homens, e homem fala coisa que mulher não pode falar, conta piada. Não há
hábito do homem ainda perceber a mulher num cargo mais importante. Mas os
homens vão ter que se acostumar. Uma mulher não pode se soltar numa reunião
onde só tenha homem. Então acho que as pessoas têm que aprender a gostar das
outras pessoas como elas são. A Dilma é assim e é assim que ela é boa para o
Brasil. A mesma coisa é a Graça [Foster]. É uma mulher muito respeitada também.
Não brinca nem é alegre, mas cada um tem seu jeito de ser.
Valor: Seu governo viabilizou projetos essenciais para o
rumo que a economia pernambucana tomou, como o polo petroquímico e a fábrica da
Fiat. |—> A pré-candidatura Eduardo Campos,
que agrega adversários fidagais de seu governo, como Jarbas Vasconcelos e
Roberto Freire, e anima até José Serra, é uma traição?
|—> Lula:
Não. Minha
relação de amizade com Eduardo Campos e com a família dele, que passa pela mãe,
pelo avô e pelos filhos, é inabalável, independentemente de qualquer problema
eleitoral. |—> Eu não misturo minha relação de amizade com as
divergências políticas. Segundo, acho muito cedo pra falar da
candidatura Eduardo. Ele é um jovem de 40 e poucos anos. Termina seu mandato no
governo de Pernambuco muito bem avaliado. Parece-me que não tem vontade de ser
senador da República nem deputado. O que é que ele vai ser? èPossivelmente
esteja pensando em ser candidato para ocupar espaço na política brasileira, tão
necessitada de novas lideranças. Se tirar o Eduardo, tem a Marina que não tem
nem partido político, tem o Aécio que me parece com mais dificuldades de decolar.ç Então é normal que ele se
apresente e viaje pelo Brasil e debata. Ainda pretendo conversar com ele. A
Dilma já conversou e mantém uma boa relação com ele.
Valor: O Fernando Henrique teve como candidato um ministro
e o senhor também. O senhor acha que ainda é possível demover Eduardo Campos
com a proposta de que ele se torne um ministro importante no governo Dilma e
depois seu candidato? É possível se comprometer com quatro anos de
antecedência?
|—> Lula:
Somente Dilma é quem pode dizer isso. èNão tenho procuração nem do Rui Falcão
[presidente do PT] nem da Dilma para negociar qualquer coisa. Vou
manter minha relação de amizade com Eduardo Campos e minha relação política com
ele. Até agora não tem nada que me faça enxergá-lo de maneira diferente da que
enxergava um ano atrás. Se ele for candidato vamos ter que saber como tratar
essa candidatura. O Brasil comporta tantos candidatos. Já tive o PSB fazendo
campanha contra mim. O Garotinho foi candidato contra mim. O Ciro também. E nem
por isso tive qualquer problema de amizade com eles. èCandidaturas como a do Eduardo e da Marina
só engrandecem o processo democrático brasileiro. [O que é importante é
que não estou vendo ninguém de direita na disputa.]
Valor: Já que o senhor tem uma relação tão forte de amizade
com ele, vai pedir para Eduardo Campos não se candidatar?
|—> Lula:
Não faz parte da minha índole pedir para as pessoas não se candidatarem porque
pediram muito para eu não ser. Se eu não fosse candidato eu não teria ganho.
Precisei perder três eleições para virar presidente. Eu não pedirei para não
ser candidato nem para ele nem para ninguém. A Marina conviveu comigo 30 anos no PT,
foi minha ministra o tempo que ela quis, saiu porque quis e várias pessoas
pediram para eu falar com ela para não ser candidata e eu disse: “Não falo”.
Acho bom para a democracia. E precisamos de mais
lideranças. O que acho grave é que os tucanos estão sem liderança. Acho que
Serra se desgastou. Poderia não ter sido candidato em 2012. Eu
avisei: não seja candidato a prefeito que não vai dar certo. Poderia estar
preservado para mais uma. Mas Serra quer ser candidato a tudo, até síndico do
prédio acho que ele está concorrendo agora. E o Aécio não tem performance que
as pessoas esperavam dele.
Valor: Quem é o adversário mais difícil da
presidente: Aécio, Marina ou Eduardo?
|—> Lula: Não
tem adversário fácil. O que acho é que Dilma vai chegar à eleição muito
confortável. Se a gente trabalhar com seriedade, humildade e respeitando nossos
adversários e a economia estiver bem, com a inflação controlada e o emprego
crescendo, acho que certamente a Dilma tem ampla chance de ganhar no primeiro
turno.
Valor: Como vai ser sua atuação na campanha de 2014? Vai
atuar mais nos bastidores, na montagem das alianças, ou vai subir em palanque
em todos os Estados?
Lula: Eu quero
palanque.
Valor: Vai subir em Pernambuco e pedir votos
para Dilma?
Lula: Vou. Vou lá, vou a Garanhuns, vou ao Rio, São Paulo, à
Paraíba, em Roraima…
Valor: Seus médicos já liberaram?
Lula: Já. Se eu não puder eu levo um cartaz dela na mão
(risos). Não tem problema. Acho que ela vai montar uma coordenação política no
partido e eu não sou de trabalhar bastidores. Eu quero viajar o país.
Valor: Nem às costuras de alianças o senhor vai se dedicar?
|—> Lula: Não precisa ser eu. O PT costura.
Valor: Quais são as alianças mais difíceis? Como resolver
o problema do Rio?
|—> Lula: No
Rio tem uma coisa engraçada porque nós temos o Pezão, que é uma figura por quem
eu tenho um carinho excepcional. Nesses oito anos aprendi a gostar muito do
Pezão, um parceiro excepcional. E tem o Lindbergh.
Valor: Ele disse que vai fazer o que o senhor mandar…
|—> Lula:
Não é bem assim. Eu não posso tirar dele o direito de ser candidato. Ele é um
jovem talentoso, um encantador de serpentes, como diriam alguns, com uma inteligência
acima da média, com uma vontade de trabalhar, como poucas vezes vi na vida. èEle quer
ser. Cabe ao partido sempre tratar com carinho, porque nós temos que ter sempre
como prioridade o projeto nacional. Ou seja: èa primeira coisa é a eleição da Dilma.
Não podemos permitir que a eleição da Dilma corra qualquer risco. Não podemos truncar nossa aliança com o
PMDB. Acho que o PT trabalha muito bem com isso e que Lindbergh pode ser
candidato sem causar problema. Acho que o Rio vai ter três ou quatro
candidaturas e ele, certamente, vai ser uma candidatura forte. èObviamente
Pezão será um candidato forte, apoiado pelo governador e pela prefeitura.
Na minha cabeça o projeto principal é garantir a reeleição de Dilma. É isso que
vai mudar o Brasil.
Valor: Aqui em São Paulo o candidato é o Padilha?
|—> Lula:
Olha, acho que a gente não tem definição de candidato ainda. èVocê tem Aloizio Mercadante, que na última
eleição teve 35% dos votos, portanto ele tem performance razoável. Tem o Padilha,
que é uma liderança emergente no PT, que está em um ministério importante. Tem
a Marta que eu penso que não vai querer ser candidata desta vez. Tem outras
figuras novas como o Luiz Marinho, que diz que não quer ser candidato. Tem o
José Eduardo Cardozo, que vira e mexe alguém diz que vai ser candidato e você
pode construir aliança com outros partidos políticos. Para nós a manutenção da
aliança com o PMDB aqui em São Paulo é importante.
Valor: Em 2012, em São Paulo, o senhor defendeu a renovação
do partido, com um candidato novo. Essa fórmula será mantida para o governo do
Estado?
Lula: Hoje temos condições de ver cientificamente qual é o
candidato que o povo espera. Por exemplo, quando Haddad foi candidato a
prefeito, eu nunca tive qualquer preocupação. Todas as pesquisas que a gente
trabalhava, as qualitativas que a gente fazia, toda elas mostravam que o povo
queria um candidato como ele. Então era só encontrar um jeito de desmontar o
Russomanno, que em algum lugar da periferia se parecia com o candidato do PT.
Na época eu não podia nem fazer campanha direito. Estava com a garganta
inchada. Eu subia no caminhão para fazer discurso sem poder falar, mas era
necessário convencer as pessoas de que o candidato do PT era o Haddad, não era
o Russomanno. Quando isso engrenou, o resto foi mais tranquilo. Para o
governo do Estado é a mesma coisa. Não é quem sai melhor na pesquisa no começo.
É quem pode atender os anseios e a expectativa da sociedade.
Valor: E quem pode?
Lula: Não sei. Temos que ter muito critério na escolha. A
escolha não pode ser em função só da necessidade da pessoa, de ela querer ser.
Tem que ser em função daquilo que é importante para construir um leque de
aliança maior. Temos que costurar aliança, temos que trazer o PTB, manter o
Kassab na aliança e o PMDB. |—> Precisamos quebrar esse hegemonismo dos tucanos
aqui em São Paulo, porque eles juntam todo mundo contra o PT. Precisamos quebrar
isso. Acho que temos todas as condições.
Valor: Desde que deixou a Presidência, o senhor tem sido
até mais alvejado que a presidente. Foi acusado de tentar manter a chefe do
gabinete da Presidência da República em São Paulo. Agora foi acusado de ter
suas viagens financiadas por empreiteiras. Como o senhor recebe essas críticas
e como as responde?
|—> Lula: Quando as
coisas são feitas de muito baixo nível, quando parecem mais um jogo rasteiro,
eu não me dou nem ao luxo de ler nem de responder. Porque tudo o que o
Maquiavel quer é que ele plante uma sacanagem e você morda a sacanagem. É que
nem apelido: se eu coloco um apelido na pessoa e a pessoa fica nervosa e começa
a xingar, pegou o apelido. Se ela não liga, não pegou o apelido. Tenho 67 anos
de idade. Já fiz tudo o que um ser humano poderia fazer nesse país. O que faz
um presidente da República? Como é que viaja um Clinton? A serviço de quem?
Pago por quem? Fernando Henrique Cardoso? Ou você acha que alguém viaja de
graça para fazer palestra para empresários lá fora? Algumas pessoas são mais
bem remuneradas do que outras. E eu falo sinceramente: nunca pensei que eu
fosse tão bem remunerado para fazer palestra. èSou um debatedor caro. E tem pouca gente
com autoridade de ganhar dinheiro como eu, em função do governo bem-sucedido
que fiz neste país. Contam-se nos dedos quantos presidentes podem falar
das boas experiências administrativas como eu. Quando era presidente, fazia
questão de viajar para qualquer país do mundo e levar empresários, porque
achava que o presidente pode fazer protocolos, assinar acordo de intenções, mas
quem executa a concretude daquilo são os empresários. Viajo para vender
confiança. Adoro fazer debate para mostrar que o Brasil vai dar certo. Compre
no Brasil porque o país pode fazer as coisas. Esse é o meu lema. Se alguém
tiver um produto brasileiro e tiver vergonha de vender, me dê que eu vendo. Não
tenho nenhuma vergonha de continuar fazendo isso. Se for preciso vender carne,
linguiça, carvão, faço com maior prazer. Só não me peça para falar mal do
Brasil que eu não faço isso. Esse é o papel de um político que tem
credibilidade. Foi assim que ganhei a Olimpíada, a Copa do Mundo. Quando Bush
veio para cá e fomos a Guarulhos, disse a ele que era para tirarmos fotografia
enchendo um carro de etanol. Tinham dois carros, um da Ford e um da GM, e ele
falou: “Eu não posso fazer merchandising”. Eu disse: “Pois eu faço das duas”.
Da Ford e da GM. E o Bush tirou foto com chapéu da Petrobras. Sem querer ele
fez merchandising da Petrobras.|— Você sabe que eu fico com pena de ver uma figura
de 82 anos como o Fernando Henrique Cardoso viajar falando que o Brasil não vai
dar certo. Fico com pena.
Valor: O senhor acha que São Paulo corre risco de perder
a abertura da Copa porque o Banco do Brasil não vai liberar dinheiro sem
garantias?
Lula: Sinceramente não acredito que as pessoas que fizeram o
sacrifício para chegar onde chegaram vão se permitir morrer na praia agora. A
verdade é que o Corinthians precisa de um estádio de futebol independentemente
de Copa do Mundo. São Paulo não pode ficar fora da Copa. Acho que seria um
prejuízo enorme do ponto de vista político e simbólico o Estado mais importante
da Federação, com os times mais importantes da Federação – com respeito ao
Flamengo – esteja fora da Copa do Mundo. É impensável. Eles que tratem de
arranjar uma solução.
Valor: O senhor voltará à política em 2018?
Lula: Não volto porque não saí.
Valor: Voltará a se candidatar?
Lula: Não. Estarei com 72 anos. Está na hora de ficar quieto,
contando experiência. Mas meu medo é falar isso e ler na manchete. Não sei das
circunstâncias políticas. Vai saber o que vai acontecer nesse país, vai que de
repente eles precisam de um velhinho para fazer as coisas. Não é da minha
vontade. Acho que já dei minha contribuição. Mas em política a gente não
descarta nada.
Valor: Que análise o senhor faz do julgamento do mensalão?
|—> Lula:
Não vou falar por uma questão de respeito ao Poder Judiciário. O partido fez
uma nota que eu concordo. Vou esperar os embargos infringentes. Quando tiver a
decisão final vou dar minha opinião como cidadão. Por enquanto vou aguardar o
tribunal. Não é correto, não é prudente que um ex-presidente fique dizendo “Ah,
gostei de tal votação”, “Tal juiz é bom”. Não vou fazer juízo de valor das
pessoas. Quando terminar a votação, quando não tiver mais recursos vou dizer
para você o que é que eu penso do mensalão.ç
Nenhum comentário:
Postar um comentário