Encerro o meu voto, Senhor Presidente, enfatizando
que este processo revela que, nele, está em debate, uma vez mais, o permanente
conflito entre civilização e barbárie, cabendo ao Supremo Tribunal Federal
fazer prevalecer, em toda a sua grandeza moral, a essencial e inalienável
dignidade das pessoas, em solene reconhecimento de que, acima da estupidez
humana, acima da insensibilidade moral, acima das distorções ideológicas, acima
das pulsões irracionais e acima da degradação torpe dos valores que estruturam
a ordem democrática, deverão sempre preponderar os princípios que exaltam e
reafirmam a superioridade ética dos direitos humanos, cuja integridade será
preservada, aqui e agora, em prol de todos os cidadãos e em respeito à
orientação sexual e à identidade de gênero de cada pessoa que vive sob a égide
dos postulados que informam o próprio conceito de República. Aceitar tese diversa significaria tornar perigosamente menos
intensa e socialmente mais frágil a proteção que o ordenamento jurídico
dispensa, no plano nacional e internacional, aos grupos formados com base na
orientação sexual ou na identidade de gênero, notadamente àquelas pessoas que
se expõem, como os integrantes da comunidade LGBT, a uma situação de maior
vulnerabilidade. Sendo assim, em face das razões expostas, e acolhendo, ainda,
os fundamentos do parecer do eminente Dr. RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS,
então Procurador-Geral da República, conheço, em parte, da presente ação direta
de inconstitucionalidade por omissão, para, nessa extensão, julgá-la
procedente, com eficácia geral e efeito vinculante, nos termos a seguir indicados:
(a) reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação
da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se
referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição, para efeito de
proteção penal aos integrantes do grupo LGBT;
(b) declarar, em consequência, a
existência de omissão normativa inconstitucional do Poder Legislativo da União;
(c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o
art. 103, § 2º, da Constituição c/c o art. 12-H, “caput”, da Lei nº 9.868/99;
(d) dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados
constitucionais de incriminação inscritos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da
Carta Política, para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a
forma de sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos na Lei nº
7.716/89, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso
Nacional, seja por considerar-se, nos termos deste voto, que as práticas
homotransfóbicas qualificam-se como espécies do gênero racismo, na dimensão de
racismo social consagrada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento plenário do HC 82.424/RS (caso Ellwanger), na medida em
que tais condutas importam em atos de segregação que inferiorizam membros
integrantes do grupo LGBT, em razão de sua orientação sexual ou de sua
identidade de gênero, seja, ainda, porque tais comportamentos de homotransfobia
ajustam-se ao conceito de atos de discriminação e de ofensa a direitos e
liberdades fundamentais daqueles que compõem o grupo vulnerável em questão; e
(e) declarar que os efeitos da interpretação conforme a que se refere a alínea
“d” somente se aplicarão a partir da data em que se
concluir o presente julgamento. É o meu voto.
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