AINDA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
►Analisando a tentativa
de setores da sociedade em ver aprovada a PEC da maioridade, embora seja uma
das cláusulas pétreas. Pétrea até quando a sociedade e o congresso nacional
assim a acolherem. Assim como a elite tem em mãos, é a dona dos dinheiros, há
forte apelo no sentido de vê-la ( a PEC acima) aprovada.
Verificando o
crescente sentimento de impunidade na sociedade e o estímulo provocado por
segmentos dos órgãos de comunicação enaltecendo os justicamentos pelas próprias
mãos, vi neste lúcido texto de Luiz Flávio Gomes algo a ser devidamente
pensado.
Licença para matar: mais de 50 linchamentos em 2014.
Publicado no
JusBrasil em 18/7/2014.
Luiz Flávio Gomes Jurista e professor.
►No estágio de barbárie que ainda nos encontramos, alguns
humanos concedem a si mesmos licença para matar pessoas (quase sempre
impunemente, porque a polícia brasileira somente apura 8% dos homicídios no
Brasil). Ainda assassinamos pessoas como se matam baratas. Isso ocorre de
diversas maneiras: execuções sumárias (normalmente praticadas por agentes do
Estado ou contra eles), grupos de extermínio, linchamentos, esquadrões da morte,
justiceiros, jagunços, milícias, falsos super-heróis, limpeza social, tribunais
do crime organizado etc.
►O linchamento constitui uma nefasta licença para matar,
sendo manifestação típica das massas (composta de todas as classes sociais;
prova disso é que todas elas estão agora surfando na moda dos justiçamentos com
as próprias mãos). O linchamento constitui uma evidência do nível de rebelião
das massas desorientadas (precisamente pela carência, no país, de lideranças
confiáveis). Este fenômeno veicula duas possíveis direções (veja Ortega y
Gasset 2013: 142): (a) pode ser o trânsito para uma nova e inusitada organização
da sociedade e da humanidade ou (b) uma catástrofe no destino humano. Não
existe razão para negar a realidade do progresso (diz o autor citado);
"porém, é preciso corrigir a noção que acredita garantido esse progresso.
Mais congruente com os fatos é pensar que não existe nenhum progresso seguro,
nenhuma evolução sem ameaça de involução e retrocesso. Tudo, tudo é possível na
história (tanto o progresso triunfal e indefinido como a periódica regressão).
Porque a vida, individual ou coletiva, pessoal ou histórica, é a única entidade
do universo cuja substância é o perigo. Ela se compõe de peripécias. É,
rigorosamente falando, um drama". No Brasil esse drama tem coloridos
distintos porque aqui a vida vale muito pouco.
Mais de 50 linchamentos ocorreram no Brasil no primeiro
semestre de 2014. Veja Rosanne D'Agostino, no G1:
►Um professor de história, em SP (André Luiz Ribeiro, 27), só
se salvou da brutalidade macabra depois de (a pedido dos policiais) mostrar conhecimento
(dar uma "aula") sobre a Revolução Francesa. A onda massiva começou
com aquele adolescente negro acorrentado no RJ. Naquele mesmo dia setores da
mídia (completamente sem noção) começaram a apoiar o justiçamento das pessoas
com as próprias mãos. A intolerância e a animalidade das massas (de todas as
classes sociais) culminaram em vários assassinatos, inclusive de pessoas
completamente inocentes (como Fabiane de Jesus, no Guarujá, SP). "Foi algo
surreal (disse o professor). Só acreditamos quando chega próximo de nós. Aí
você vê que é muito real mesmo, esse ódio das pessoas. Essa brutalidade do ser
humano."
►"As pessoas que
queriam me bater sabiam que não era eu, mas como meu irmão não era homem
suficiente para estar ali, eu ia apanhar no lugar dele" (Mauro Muniz, 37,
Araraquara-SP). A prática de assassinatos por multidões era comum na
antiguidade, no tempo do estado de natureza (Hobbes), onde não havia lei nem
autoridades locais. Na época da colônia, no Brasil, foram inúmeros os massacres
(sobretudo de índios e negros). Tudo com a garantia da absoluta impunidade. A
queima de bruxas, nos séculos XV-XVIII, foi o maior "linchamento"
promovido pela Igreja (tratou-se da guerra contra o Satanás que, segundo a
crença então corrente, copulava com as mulheres, transformando-as em bruxas). A
origem da palavra linchamento (veja reportagem do G1) é atribuída a Charles Lynch,
fazendeiro da Virgínia, nos Estados Unidos, que punia criminosos durante a
Guerra da Independência em 1782; e ao capitão William Lynch, que teria mantido
um comitê para manutenção da ordem no mesmo período. Em 1837, surge a Lei de
Lynch (bater com pau), baseada nos atos do fazendeiro, usada para pregar o ódio
racial contra negros e índios.
►Na matéria do G1 são mostrados os inúmeros linchamentos
de 1980 a 2006 (por exemplo: 1980, 31; 1984, 70; 1987, 75; 1991, 148; 1993, 69;
1999, 58; 2002, 25; 2005, 12 etc.). São incontáveis os motivos que levam
algumas pessoas a massacrarem coletivamente outras: insegurança, caça às
bruxas, homofobia, regime totalitário, divergências ou intolerâncias
religiosas, racismo, corrupção, defesa da honra ou da família etc. A descrença
no funcionamento das instituições sempre está na base dos linchamentos.
Alfio Bogdan – Físico e Prof. Aposentado
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